Fonte: Tribuna da Imprensa - Gaudêncio Torquato - No Estado-espetáculo, até Deus é usado como bengala de apoio aos representantes políticos. A história é cheia de casos de atores políticos que organizam o próprio culto, ornando sua aura com atributos divinos. Mas o diabo também é avocado como protagonista do teatro da política fosforescente. A desastrada declaração do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) de que, antes de presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, ela era dominada por satanás, comprova a tese.
Nos últimos tempos, bispos, pastores e apóstolos não medem esforços para organizar exércitos do bem a fim de enfrentar as forças do mal. Do alto de uma montanha de dízimos, os comandantes da guerra contra as trevas estruturam impérios religiosos, ganham concessões do Estado, locupletam cofres, organizam partidos e aumentam a fatia política com bancadas cada vez mais gordas. A expressão radical torna-se a arma de combate e de engajamento de milícias. Já a defesa de posições conservadoras funciona como escudo. A índole discriminatória explode. Essa é a composição que explica o imbróglio envolvendo o novo presidente daquela comissão.
Flagrado postando mensagens homofóbicas e racistas nas redes sociais, Feliciano arremata que “pela primeira vez na história deste país, um pastor cheio de espírito santo” conquistou espaço dominado pelas tropas de Belzebu. Assim, comete um pecado ético, deixando transparecer a ruptura do princípio republicano que estabelece a separação entre Igreja e Estado. A linguagem cortante, claro, resultará em bacia cheia de votos em 2014. Com o foguetório, o pregador consegue chegar aos píncaros da visibilidade.
Vale lembrar que ele foi eleito pelos pares para comandar a comissão. Até aí, tudo bem. Inaceitável é o uso de peroração discriminatória dentro de um organismo criado exatamente para defender os postulados da igualdade e da pluralidade.
BOM SENSO
O deputado pastor caiu na tentação de ultrapassar os limites do bom senso. Ao trazer satanás para a mesa da política e identificá-lo com seus pares, abriu caminho para ser examinado sob a lupa ética. Deslocar a religião para o palco central da política no molde feliciano é pregar abertamente a ilicitude dentro da própria Casa que faz as leis e deve dar exemplo de disciplina.
Não se pretende defender postura apolítica de igrejas e credos. Seu papel missionário implica tomar partido. Constituem motivo de aplauso, igualmente, ações sociais pela elevação e pela promoção do ser humano. Essa é a visão abrangente da política que as igrejas podem perseguir.
Outra coisa é política partidária, usar a religião como instrumento de negócios lucrativos, ímã para atrair fiéis e incluí-los nas siglas. A invasão religiosa do espaço público ameaça manchar o escopo republicano. Urge dar um basta à construção da “Igreja-Estado”.
Foram-se os tempos em que líderes religiosos coroavam e descoroavam reis e rainhas. O bom senso aconselha: srs. políticos, muito cuidado para não trombetear, dentro da politicagem, o nome de Deus em vão.