Bruno Peron - Há urgência de garantir a saúde da população carente cujo número aumenta incessantemente no Brasil. Em oportunidades diferentes, escrevi sobre o dissídio entre os setores público e privado no setor sanitário. Contudo, esta oposição continua sendo um empecilho para a escolha de modelos tão contrastantes como o de Cuba (estatizante) e o dos Estados Unidos (privatizante). O modelo brasileiro tem mais a ver com o do National Health Service (NHS) da Inglaterra, que garante a saúde da população numa sociedade competitiva, mas de benefícios profusos.
A despeito da continuidade deste confronto entre promotores de serviços médicos privados, de um lado, e esperançosos de garantias gratuitas de tratamento sanitário, de outro, o governo federal brasileiro tomou atitude. Optou por ampliar e aprofundar o Sistema Único de Saúde (SUS), que se delineou na Constituição de 1988. O SUS promove a necessidade de atendimento médico gratuito à toda população brasileira e atribui este dever aos estados e municípios.
Medida mais recente - de julho de 2013 - dá um passo adiante. O Ministério da Saúde brasileiro informa que o objetivo do programa Mais Médicos é melhorar a atenção básica em "municípios com maior vulnerabilidade social e Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI)". Mas esta política gerou uma polêmica cuja insatisfação parte, sobretudo das entidades médicas brasileiras. Médicos estrangeiros suprem a carência de profissionais brasileiros no preenchimento de vagas deste programa público de saúde para trabalhar, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste.
A medida governamental a favor do aumento de profissionais de Medicina na saúde pública do país esclareceu, em nota oficial, que estrangeiros serão convocados somente se as vagas não forem ocupadas por candidatos brasileiros. Ou seja, profissionais estrangeiros serão chamados em último caso. Deste modo, o governo brasileiro pretende elevar a proporção de médicos de 1,8 para 2,5 por cada mil habitantes. Porém, esta distribuição de profissionais de Medicina não é equitativa nos estados brasileiros, pois há lugares onde esta proporção é menor e outros onde é maior.
A maior parte dos médicos estrangeiros vem de Cuba (mediante acordo com o governo cubano em vez dos médicos diretamente), cujo país tem um sistema público de saúde renomado, ao contrário do preconceito infundado que o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou publicamente no Brasil. Declarações como a desta entidade envergonham o país, que carece de profissionais públicos de saúde para preencher as vagas e que sempre foi receptivo a estrangeiros e imigrantes. Uma nuvem sinistra ofusca aquilo que os brasileiros sempre pedimos.
O CFM levanta barreiras (burocráticas e ideológicas) à vinda de profissionais estrangeiros, mas omite que nossos estudantes de Medicina sofrem dificuldades semelhantes na realização de seus cursos e ao exercer a carreira de médicos no país. O preenchimento das vagas do Mais Médicos, embora não lhes dê estabilidade profissional, visa a atender a necessidade de médicos em regiões longínquas do país, onde poucos recém-formados brasileiros aceitam trabalhar.
No momento em que o governo federal decide aumentar os investimentos em educação e saúde públicas, uma nuvem sinistra contraria a formação e o bem-estar de nossa população através de manifestações que desmerecem estas políticas públicas. Entre outras acusações desarrazoadas, estão as de que os médicos cubanos trabalharão como semi-escravos, que seus diplomas não têm validade no Brasil, e que a falta de fluência no idioma português prejudicará as consultas.
O programa Mais Médicos é tão generoso - ao contrário do que protesta o CFM - que propôs também a abertura de 11,5 mil vagas de Medicina até 2017 e 12 mil vagas de residência médica até 2020 em universidades federais espalhadas pelo Brasil. Os investimentos públicos continuam. Há previsão também de, até final de 2014, construção de centenas de hospitais e de Unidades de Pronto Atendimento (UPA), ampliação de unidades básicas, e reforma de hospitais universitários. Estas medidas compõem o plano de melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em vez de comemorar e incentivar a aposta no SUS, indivíduos e entidades condenam e lamentam as políticas para o setor. Por fim, o dilema que se apresenta é entre cuidar da população pobre do interior do país com o aumento do número de médicos ou sacrificar um programa de melhora da saúde pública em prol da proteção de uma categoria profissional ávida de privilégios.
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