Fonte: Tribuna da Imprensa - Leonardo Boff - No dia 24 de setembro de 2013, morreu na aldeia dos indígenas tapirapés, no Araguaia, a irmãzinha de Jesus Genoveva, de origem francesa. Ela e suas companheiras viveram uma experiência que o antropólogo Darcy Ribeiro considerava uma das mais exemplares de toda a história da antropologia: o encontro e a convivência de alguém da cultura branca com a cultura indígena.
Eis o testemunho de Canuto, que bem sabe da vida e obra da irmãzinha Genoveva. Assim descreve a morte dela:
“Genoveva, na manhã de terça-feira, 24, estava bem-disposta. Tinha amassado barro para o conserto na casa. Almoçou tranquilamente com a irmãzinha Odile. Estavam descansando quando se queixou de dores no peito. Odile foi logo providenciar um carro para levá-la ao hospital de Confresa. No caminho, a respiração foi ficando mais difícil. Morreu antes de chegar ao hospital”.
De volta à aldeia, consternação geral. Genoveva viu nascer quase 100% dos apyãwa (é assim que se autodenominavam os tapirapés), nesses 61 anos de vida partilhada. Os apyãwa fizeram questão de sepultá-la, segundo seus costumes, como se mais uma apyãwa tivesse morrido.
Segundo o ritual apyãwa, Genoveva foi enterrada dentro da casa onde morava. A cova foi aberta com todo o cuidado pelos apyãwa, acompanhada de cânticos rituais. A uma altura de uns 40 centímetro do chão, foram colocadas duas travessas, uma em cada ponta da cova. Nessas travessas foi amarrada a rede que ficou na posição de uma rede estendida com quem está dormindo. Por sobre as travessas foram colocadas tábuas. Por sobre as tábuas é que foi colocada a terra. Toda a terra colocada foi peneirada pelas mulheres, como é a tradição.
Na rede em que todos os dias dormia, Genoveva continua o sono eterno entre aqueles que escolheu para ser seu povo.
EVANGELIZAÇÃO
Em setembro de 2002, depois de um encontro com a irmã Genoveva, escrevi um pequeno artigo no “Jornal do Brasil”, que aqui retomo em parte.
As irmãzinhas de Foucauld testemunharam a nova forma de evangelização, sonhada por tantos na América Latina: em vez de converter as pessoas, dar-lhes a doutrina e construir igrejas, decidiram encarnar-se na cultura dos indígenas e viver e conviver com eles. Nos nossos tempos, esse caminho foi vivido pelo irmão Carlos de Foucauld que, nos inícios do século XX, foi para o meio dos muçulmanos, no deserto da Argélia, não para anunciar, mas para conviver com eles e acolher a diferença de sua cultura e de sua religião. A mesma coisa fizeram as irmãzinhas de Jesus entre os índios tapirapés, no Noroeste de Mato Grosso, próximo ao rio Araguaia.
À sua chegada, a irmãzinha Genoveva ouviu do cacique Marcos: “Os tapirapés vão desaparecer. Os brancos vão acabar conosco. Terra vale, caça vale, peixe vale. Só índio não vale nada”.
Elas foram para junto deles e pediram hospedagem. Começaram a viver com eles o evangelho da fraternidade: na roça, na luta pela mandioca de cada dia, no aprendizado da língua e no incentivo a tudo o que era deles, inclusive a religião, num percurso solidário e sem retorno.
A autoestima deles voltou. Graças à mediação delas, conseguiram que mulheres carajás se casassem com homens tapirapés e, assim, garantissem a multiplicação do povo. De 47, passaram hoje a quase mil. Em 50 anos, elas não converteram sequer um membro da tribo. Mas conseguiram muito mais: fizeram-se parteiras de um povo, à luz daquele que entendeu sua missão de “trazer vida, e vida em abundância (Jesus)”.
Não é por aí que deverá seguir o cristianismo, se quiser ter futuro num mundo globalizado? O evangelho sem poder e a convivência terna e fraterna no estilo do papa Francisco