Fonte: Tereza Cruvinel - Correio Braziliense - A saga extraordinária de sua vida, suas virtudes, seu exemplo, seu legado inspirador de tantos povos e líderes, tudo vem sendo contado e cantado à exaustão pelo mundo afora. As circunstâncias tecnológicas ajudaram a fazer de Mandela o primeiro herói ou mito global. Quando ele deixou a prisão, em 1990, a internet começava a se popularizar, as comunicações e a economia, de mãos dadas, se globalizavam.
Mas, mesmo antes deste tempo global, da prisão na Ilha de Robben ele já inspirava manifestações em diversas partes do mundo por sua libertação e contra o regime racista do apartheid. Ainda no início dos 27 anos de prisão, que suportou estoicamente, o ex-guerrilheiro Mandela fez sua autocrítica e passou a pregar a transição pacífica para uma sociedade que incluísse, em seu pluralismo, a própria minoria branca opressora.
Para os setores mais radicais de seu partido, o Congresso Nacional Africano (CNA), marcados por anos de humilhação e violência impostos pela minoria branca, isso equivalia a oferecer a outra face ao opressor. Não foi fácil unificar o partido e a maioria negra, mas a estratégia de Mandela foi vitoriosa. Ele era este homem especial que o mundo chora. Mas era, sobretudo, um articulador habilidoso, um orador cativante, um estrategista clarividente. Ou seja, um político excepcional, que por entrega generosa à causa de seu povo, tornou-se um dos grandes estadistas do século, se não o maior.
UMA REFLEXÃO
Sua partida propicia ao mundo reflexões sobre a tolerância, a coragem, a generosidade, o compromisso com o sonho coletivo. E, especialmente, uma reflexão sobre a política. Suas virtudes pessoais não teriam produzido os mesmos resultados se ele não as tivesse empregado essencialmente na ação política. Neste momento em que a atividade é tão demonizada no Brasil e em outras países, a morte de Mandela ajuda a lembrar que, na política, vicejam os seres menores que se servem dela no interesse próprio, os corruptos, os espertos e os medíocres .
Mas a política produz também grandes e talentosos atores, que proporcionam a seus povos transformações extraordinárias como as que foram possíveis na África do Sul, sob a liderança de Mandela. Claro que as figuras superiores são raras mas, fora da política, elas seriam pessoas especiais, mas não líderes ou estadistas. Muitas interrogações pairam sobre a África do Sul sem Madiba, dizem os analistas internacionais.
O país, parceiro do Brasil no Brics, é um emergente rico e promissor, mas ainda tem muito a fazer no combate à pobreza. O partido, no poder desde a eleição de Mandela em 1994, já com o terceiro presidente, ganhou ares de partido único, agigantado, reunindo interesses variados. O atual governo teria viés autoritário, e a tolerância andaria em baixa. A evocação de Mandela e sua saga podem ajudá-los a enfrentar essas questões