Fonte: Tribuna da Imprensa - Carlos Chagas - Muitos insistem ter sido ontem a passagem dos 50 anos do golpe de 1964, data em que o general Olympio Mourão, com suas tropas nem tão numerosas assim, começou a descer a serra de Petrópolis, saindo de Juiz de Fora e chegando ao Rio para depor o presidente João Goulart. Para outros, o dia certo foi 1º de abril, quando contingentes bem maiores do Exército deixaram os quartéis da Vila Militar para enfrentar os rebeldes e, diante deles, às margens do rio Paraibuna, sem disparar um tiro decidiram aderir e transformaram o movimento num desfile militar logo apoiado por contingentes de São Paulo, Pernambuco e, ao final, Rio Grande do Sul.
Os golpes dentro do golpe começaram naquele dia, pois se era uma sublevação vitoriosa, daquelas comuns na História, parecia natural que o general comandante da rebelião assumisse o poder, diante da fuga do presidente constitucional.
Ledo engano do general Mourão, porque no Rio conspiradores que não tiveram coragem para deflagrar o movimento logo decidiram empalmar o poder. O ministro do Exército, Jair Dantas Ribeiro, encontrava-se internado no Hospital Central, vítima de enfermidade que logo o levaria desta vida. Diante da confusão, o mais antigo dos generais, Costa e Silva, que naqueles dias comandava uma escrivaninha, sem tropa alguma, num gesto de audácia ocupa o gabinete do ministro e declara-se chefe do movimento revolucionário. Havia conspirado, é claro, mas como muitos outros.
Diante do fato consumado e com o apoio da Marinha e da Aeronáutica, intitulam-se Comando Supremo da Revolução e assumem o poder. Outros generais, como Castello Brando, Cordeiro de Farias, Juarez Távora, Ernesto Geisel e Golbery do Couto Silva discordam, mas nada podem fazer, pois também careciam de tropa. A primeira iniciativa seria conter Mourão Filho, já às portas do Rio, na Avenida Brasil.
Determinam, e ele aceita, que em vez de prosseguir e tomar a sede do ministério do Exército, na Central do Brasil, rumasse com seus soldados para o estádio do Maracanã, onde receberiam alimentação e hospedagem. Ele aceita, ficando depois satisfeito com a oferta de que seria nomeado presidente da Petrobrás. Nem isso foi, limitando-se a dizer que não era político, mas “uma vaca fardada”.
Costa e Silva detinha o poder e pretendia mantê-lo, apesar da resistência de Castello Branco e outros generais ditos intelectualizados, mas coube a ele convocar o jurista Francisco Campos, autor da Constituição fascista de 1937, para que editasse um ato revolucionário capaz de suplantar a Constituição vigente de 1946, “legalizando” o golpe.
O deputado Raniéri Mazzilli, no exercício formal da presidência da República, aceitou a imposição, nomeou os ministros que Costa e Silva queria, e o Comando Supremo da Revolução começou a cassar mandatos e suprimir direitos políticos dos integrantes do sistema deposto.
Foi o primeiro casuísmo, quer dizer, o primeiro golpe dentro do golpe, porque o novo presidente da República não mandava nada. Diante da perspectiva de perpetuar-se a Junta Militar, os generais adversários de Costa e Silva deram o segundo golpe. Convenceram o Congresso a eleger um novo presidente da República, tomando cuidado de indicar Castello Branco e de evitar a candidatura de Costa e Silva.
Quase a metade dos parlamentares já tinham sido cassados, os que sobraram cumpriram a ordem, mas outro problema surgia: a Constituição determinava que chefes do estado-maior das forças armadas, para candidatar-se a postos eletivos, deveriam desincompatibilizar-se seis meses antes as eleições. Castello ainda era chefe do estado-maior do Exército. Assim, era inelegível. Imediatamente acrescentou-se um artigo ao Ato Institucional: “para as próximas eleições, não haverá incompatibilidades”…
Empossado, Castello Branco havia prometido a políticos do PSD e a Juscelino Kubitschek cumprir o restante do mandato que fora de Jânio Quadros e depois de João Goulart e realizar eleições livres e diretas em 1965. Novo golpe, porque além de cassar o mandato de JK “por motivos políticos”, quer dizer, ele ganharia qualquer eleição, o primeiro general-presidente aceitou a prorrogação do próprio mandato por mais um ano. Novo golpe dentro do golpe.
Em seguida vêm as eleições para governador, ainda em 1965. A oposição não poderia ganhar, em especial em Minas e na Guanabara. Assim, o primeiro governo militar baixou atos proibindo ex-ministros de João Goulart de serem candidatos. Afastaram Helio de Almeida, na Guanabara, e Sebastião Pais de Almeida, em Minas, ex-ministros da Viação e da Fazenda. Só que na antiga capital cresceu a candidatura do marechal Henrique Lott, nacionalista e penhor da posse de JK na presidência. Descobriram que, desiludido, ele havia se mudado para Teresópolis, então no estado do Rio de Janeiro. Criaram na mesma hora a obrigação do domicílio eleitoral, quer dizer, só poderia ser candidato num estado quem tivesse seu titulo no mesmo estado… Novo golpe.
Ainda assim, Negrão de Lima e Israel Pinheiro elegeram-se. Logo começou a conspiração dos radicais para impedir a posse deles. Castello não queria submeter-se a mais uma humilhação. Para garantir o resultado nas urnas, baixa do Ato Institucional 2, quando determina que os secretários de Segurança e da Fazenda dos estados seria nomeados pelo poder central, em Brasília, aumenta o número de ministros do Supremo Tribunal Federal de 11 para 16, a fim de manter maioria, e extingue os velhos partidos políticos, do PSD à UDN e ao PTB, para criar o bipartidarismo forçado, o partido do “sim” e o partido do “sim senhor”, a Arena e o MDB.
Os golpes continuaram em número superior ao espaço e às linhas destas lembranças. Assim, continuaremos nos próximos dias…
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