Fonte: Tribuna da Imprensa -
Bruno Paes Manso
Estadão
Todas as pessoas e instituições estão sujeitas a erros. Há os graves, os leves, os grandes e os pequenos, de todo o tipo, que mostram acima de tudo como somos falíveis. Mas existe uma segunda etapa a se analisar. A forma como essas pessoas e instituições lidam com os erros. Nesse momento, muito pode ser relevado sobre a essência de quem os comete.
O assunto deste post é o Poder Judiciário e a forma como lidou com um dos principais equívocos de sua história. Dois médicos estão presos injustamente há cinco anos no Pará. Foram acusados de serem assassinos e estupradores em série no Pará e no Maranhão. Há provas de que são inocentes. Hoje de manhã, a Justiça poderia ter começado a reparar seus erros, mas o juiz relator do caso não apareceu porque tinha outro compromisso. Paciência. Os médicos terão que esperar um pouco mais para ganharem a liberdade.
Tudo começou ainda nos anos no final dos anos 1980 e começo dos 1990, quando garotos do Pará e no Maranhão começaram a desaparecer misteriosamente. Ao longo da década, foram pelo menos 41 meninos, entre 5 e 14 anos, que depois de mortos eram emasculados (tinham seus órgãos sexuais retirados). O caso triste e assustador foi a Júri em setembro de 2003, quando dois médicos de Altamira, Césio Brandão e Anísio Ferreira foram condenados a 56 anos de prisão. Conforme a acusação, eles fariam parte de um grupo que organizava rituais de magia negra. Os assassinatos ocorriam por motivos “religiosos”. O fato dos médicos serem espíritas foi decisivo para formar a convicção do Júri.
CONFISSÃO
Em dezembro de 2003, contudo, quando os dois já estavam presos, outro menino desapareceu no Maranhão. Um suspeito, Francisco Chagas, foi identificado. Em seguida, Chagas confessou as 41 mortes, inclusive as ocorridas mais de uma década antes em Altamira, quando morava na cidade. Chagas deu detalhes que só ele poderia dar. Disse, por exemplo, que além da retirada dos órgão sexuais das crianças, extraia as córneas, o que de fato foi verificado com a exumação das vítimas. Em Altamira, Chagas ainda apontou corretamente o local das ossadas. Cruzaram datas de morte e estadia de Chagas. Tudo bateu. Atualmente, o serial killer já foi condenado há mais de 200 anos de prisão.
Como proceder diante de tão grave injúria contra os médicos falsamente acusados? Não se trata apenas do tempo na prisão. Mas acima de tudo o que os dois e seus familiares passaram, carregando o estigma desses crimes bárbaros. Como tentar reparar esse absurdo inominável?
Na manhã de hoje, era para ocorrer a sessão onde seria estabelecida a revisão criminal na 3ª Vara do Júri de Belém do Pará. O objetivo seria tentar anular o resultado do julgamento que condenou os médicos, para que um novo Júri fosse marcado. A família dos dois, que atualmente mora no Espírito Santo, queria estar presente. Eles pegaram um trem para Belo Horizonte, onde a passagem de avião saía mais em conta. O valor nunca fica abaixo dos R$ 1,2 mil. O sacrifício é ainda maior porque os familiares dos médicos passam por dificuldades financeiras.
Mas novas vidas iriam começar do zero e os parentes queriam estar ao lado dos dois. Só que a sessão não ocorreu porque o juiz relator não apareceu. Tinha outro compromisso. A sessão foi remarcada para a segunda que vem. Alguns parentes não poderão ficar. Para os que ficam e para as duas vítimas, deixo a torcida para que desta vez o erro comece a ser corrigido. Resta ainda a pergunta: o que esse descaso com o erro revela do nosso Judiciário? Será que este poder realmente se preocupa em prestar contas de suas obrigações à sociedade?
(artigo enviado por Celso Serra)