A comunidade internacional como um todo aceitará que seja prerrogativa soberana de Kiev esmagar as forças do separatismo político. Muitos países simplesmente adotarão métodos similares. Mas o que realmente dá força a Kiev é o apoio do ocidente.
Até aqui, esse apoio tem sido sobretudo político, financeiro e diplomático, mas essas proporções parecem estar às vésperas de mudar significativamente. No sábado, a União Europeia decidiu[2] levantar a proibição vigente há seis meses, de exportar-se equipamento militar e assemelhados para a Ucrânia; é decisão que com certeza altera a alquimia do conflito. O suprimento de armas da Europa será sem dúvidas acelerado nas próximas semanas. Na essência, a Ucrânia está sendo posicionada para converter-se numa espécie de conflito sírio ao contrário – e esse pode bem ser o cálculo do governo de Barack Obama.
De fato, a Grã-Bretanha (e o Canadá, que tem grande população de emigrados ucranianos) está ansiosa para participar. Claramente, Washington tem planos para aumentar a pressão sobre a Rússia. Torna-se obviamente claro, se se leem lado a lado os comunicados distribuídos repectivamente pelo Kremlin[3] e pela Casa Branca[4] sobre a conversa telefônica entre Putin e Obama, na 6ª-feira.
O Kremlin diz que foi uma boa conversa, resposta a telefonema de Obama; e que os dois presidentes discutiram uma via de paz na Ucrânia que tenta criar-se e até trocaram ideias sobre “o atual estado de coisas” e “vários aspectos” das relações russo-norte-americanas. Ao contrário, a notícia distribuída por Washington insiste que Obama falou duro sobre a Ucrânia.
Não só isso; no mesmo momento em que Obama telefonava para Putin, o vice-presidente Joe Biden fazia seu telefonema semanal rotineiro ao presidente ucraniano Petro Poroshenko para fazer-lhe a cabeça na direção de não retroceder e, de fato, avançar, nas operações militares no leste da Ucrânia. O press-release da Casa Branca[5] sugere que Biden, que é um dos ‘falcões’ contra a Rússia, está fazendo a sintonia fina dos movimentos relacionados ao problema ucraniano.
Os ataques crescentes no leste da Ucrânia e o uso de armamento pesado nas operações militares põem Moscou sob imensa pressão para intervir. Mas o ponto é que, como esse especialista russo explica,[6] nada parece confirmar que realmente se possa ver alguma luz no fim do túnel de Poroshenko; não, pelo menos, com certeza, no curto prazo.
Verdade é que ainda não se conhece toda a extensão da resposta dos russos às sanções ocidentais. As palavras do ministro da Defesa da Rússia Sergei Rybakov ontem sugerem que as sanções “reduzirão as chances de [a Rússia] vir a cooperar em outros campos que interessam a eles [leia-se: que interessam à Europa e aos EUA], porque é claro que haverá repercussões”. De fato, é um aviso.
Mas Rybakov explicou[7] que Moscou ainda está contida, apesar de reconhecer que se deva esperar que as relações entre Rússia e potências ocidentais deva continuar em trilha descendente. Disse que “Não temos manifestado nenhum comportamento hostil contra EUA ou União Europeia ou Canadá, e, na verdade, nem contra a Ucrânia. Mesmo assim, não se vê sinal de arrefecimento no comportamento de impor sanções, nem se vê sinal de qualquer tentativa para examinar as coisas sob outra perspectiva. Há perigo real, que não deve ser ignorado, de que a ‘comichão’ das sanções não pare por aqui. Vão arranhar até ver sangue.”
A ‘comichão’ já se manifesta nas políticas para o Pacífico Asiático. O Japão, que vinha trabalhando numa aproximação com a Rússia, foi forçado por Washington a retroceder. O relatório oficial que o Ministério da Defesa publica anualmente em Tóquio já condena a ‘anexação’ da Crimeia como “questão global” que “altera o status quo por força ou coerção” e que “tem impacto sobre toda a comunidade internacional, incluída a Ásia.”
Tóquio alinhou-se às sanções ocidentais contra a Rússia. A reação russa foi rápida e forte. O Ministério de Relações Exteriores classificou o movimento japonês como “inamistoso e de visão curta” que “agride inevitavelmente todo o complexo de nossas relações bilaterais e as faz retroceder.”[8]
A expectativa de Moscou, de que Tóquio pudesse ser paulatinamente levada a assumir política independente e rejeitaria a tutelagem norte-americana revelou-se irrealista. É preciso acrescentar um ponto de interrogação à viagem de Putin, prevista para o outono, ao Japão.
Quaisquer consequências negativas para uma cooperação de energia em expansão entre russos e japoneses envia ondas de choque para todo o mercado de energia do Pacífico Asiático, inclusive para a Índia. Mas o que mais conta são os alinhamentos dentro do complexo triângulo Rússia-China-Japão.
Fato é que a força do Japão para negociar vis-à-vis à China diminuiu. Pequim está acompanhando fina e atentamente “os apuros diplomáticos” do Japão. A fricção nas relações Rússia-Japão interessa à China e Pequim parece que, afinal, concederá uma audiência ao primeiro-ministro Shinzo Abe, com o presidente Xi Jinping. A visita secreta do ex-primeiro-ministro Yasuo Fukuda[9] a Pequim, há uma semana, jamais teria acontecido sem o conhecimento de Abe.
Parece que está prevista uma reunião de cúpula entre Abe e Xi.[10] Depois de ter trabalhado encobertamente para agitar as tensões entre Japão e China no quadro da estratégia de reequilibramento na Ásia em anos bem recentes, Washington estaria agora trabalhando para rebaixar as mesmas tensões, para que os EUA possam-se concentrar-se em sua atual obsessão: criar “imagem inimiga”, da Rússia.
Quase com certeza, a iniciativa australiana de fazer manobras militares trilaterais com China e EUA[11] foi ideia do Pentágono. O evento está previsto para outubro e acontecerá na Austrália. A presteza com que essas manobras foram marcadas já nos calcanhares das Manobras Malabar (envolvendo EUA, Japão e China) mês passado, é clara mensagem política que não deve passar despercebida pelos países do Pacífico Asiático, especialmente a Índia.
Claro, tudo isso vira história com moral-da-história para a Índia, com a visita do primeiro-ministro Narendra Modi ao Japão já se aproximando, e com o secretário de Defesa dos EUA, Chuck Hagel, esperado em Delhi nesse fim de semana. A parte triste é que os especialistas indianos ainda se comportam[12] como se o desafio intelectual de dar conta das complexidades da dinâmica do poder no Pacífico Asiático, no contexto da nova Guerra Fria, fosse superior às capacidades deles. A boa notícia é que Modi não dá nenhuma atenção ao que digam.
*Texto de MK BHADRAKUMAR.
[4] http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/08/01/readout-president-s-call-president-putin-russia
[5] http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/08/01/readout-vice-presidents-call-ukrainian-president-petro-poroshenko
[7] http://en.ria.ru/world/20140804/191708921/Sanctions-Applied-by-West-Will-Fail-to-Achieve-Goals.html
[9] http://www.bloomberg.com/news/2014-08-01/ex-japan-premier-fukuda-may-have-met-xi-on-china-trip-jiji-says.html