Fonte: Tribuna da INTERNET - Pepe Escobar
RT, Moscou (Irã News)
Um fascinante balé nuclear de energia envolvendo Irã, Rússia, EUA e a União Europeia está a ponto de decidir grande parte do que acontecerá adiante, no novo grande jogo na Eurásia.
Um mantra da sabotagem força o Irã a pôr fim a todo o seu programa de enriquecimento de urânio e, como se não bastasse, a abrir mão também dos seus mísseis. É ridículo: todos os exércitos do mundo têm mísseis, que são item de todas as forças armadas convencionais. Então, Washington muda de assunto e passa a falar só de mísseis que possam transportar ogivas nucleares que o Irã não possui. Por isso, todos os mísseis teriam de ser banidos.
Moscou e Pequim veem a tal “capacidade para converter (qualquer coisa) em arma” (“breakout capability”) pelo que a coisa é: problema inventado. Enquanto Washington só diz que quer algum acordo, Moscou e Pequim realmente querem um acordo – e afirmam que terá de ser respeitado, mediante monitoramento estrito.
O Supremo Líder Aiatolá Khamenei já demarcou publicamente a própria linha vermelha, para que não haja mal-entendidos: o acordo nuclear final terá necessariamente de preservar o direito de enriquecer urânio, que é direito legítimo de Teerã – e em escala industrial –, como parte de uma política de energia de longo prazo. É o que os negociadores iranianos dizem desde o início. Assim sendo, impor como ‘condição inicial’ que o Irã extinga seu programa de enriquecimento de urânio não é condição inicial de coisa alguma: é condição para que nada aconteça.
NEGOCIAÇÕES COM A RÚSSIA
Duras que sejam, como realmente são, as sanções não forçaram Teerã a ajoelhar-se e render-se. Khamenei disse repetidas vezes que não era otimista quanto à possibilidade de efetivo acordo nuclear. O que realmente quer, muito mais que algum acordo, é economia melhorada. Agora, com as sanções começando a ruir, depois do acordo inicial de Genebra, há luz no fim do túnel.
Entram em cena as negociações super turbinadas entre Rússia e Irã. Incluem um negócio de energia de mais de $10 bilhões, com novas usinas térmicas e hidrelétricas e uma rede de transmissão. E, claro, o negócio de troca pelo qual a Rússia pode comprar 500 mil barris de petróleo iraniano por dia. Detalhes serão finalizados no início de setembro. Não surpreende que Washington esteja em fúria; esse negócio eleva as exportações do Irã para mais de um milhão de barris/dia, questão que já havia sido acertada desde anteriormente, em Genebra.
IRÃ E EUROPA
Com a Rússia agora também sob sanções dos EUA e da União Europeia, Teerã previsivelmente teve de começar a fazer a corte à Europa como fonte alternativa ideal de gás natural. Escrevo há anos sobre isso. A Europa quer desesperadamente livrar-se da dependência da Gazprom russa. O Irã tem tudo para vender gás à Europa, transportando-o especialmente através da Turquia. Mas há muitos bloqueios políticos e logísticos – a começar pela necessidade de um acordo nuclear final –, o que faz desse um cenário de longuíssimo prazo, na melhor das hipóteses.
O balé da energia em que bailam Irã, Rússia, a União Europeia e os EUA é digno de um neo-Stravinsky geopolítico. Teerã cuida para não `ntagonizar Moscou – o maior fornecedor de gás natural para a Europa. Mas Teerã também sabe que, com EUA-Irã iniciando uma possível détente, a União Europeia fará absolutamente qualquer negócio, custe o que custar, para conseguir seduzir o Irã e investir no Irã.
Segundo a Revista Estatística do Mundo da Energia da British Petroleum, as reservas comprovadas de gás natural do Irã alcançam enormes-gigantescos 33,6 trilhões de metros cúbicos; as da Rússia estão em 32,9 trilhões de metros cúbicos. São duas usinas-monstro.
IRÃ ATRASADO
O problema é que o Irã está muito atrasado em relação à Rússia, nos quesitos investimentos e produção. Há poucos anos, em Teerã, especialistas em energia estimaram a meu pedido em cerca de US$ 200 bilhões o investimento necessário para modernizar a indústria iraniana e investir em infraestrutura doméstica de transporte e exportação.
Assim sendo, em termos realistas, a Rússia permanecerá como fornecedor-chave de gás para a União Europeia no futuro previsível, predominando sobre o valor estratégico do gás do Irã e da Ásia Central. E isso inclui o fato de que muitas das nações da União Europeia, apesar das futricas produzidas em tempo integral em Bruxelas, apoiam a construção do gasoduto Ramo Sul que a Rússia escolheu.
IRÁ ESTÁ NO JOGO
Mas, agora, Teerã está no jogo – já atraindo um enxame de investidores estrangeiros poderosos e interessados, que chegam da Europa e da Ásia. Recente exposição internacional de produtos petroquímicos, petróleo, gás e refino, montada em Teerã, atraiu nada menos que 600 empresas estrangeiras, de 32 países.
Mas naquele mesmo salão de espelhos, vê-se também uma imagem iraniana: o Irã vai realizando seu destino como a maior das superpotências geopolíticas do Sudeste Asiático, a última encruzilhada entre Oriente e Ocidente.
Assim, em certo sentido, pode-se dizer que o Supremo Líder já cobriu todas as trilhas. Se o presidente iraniano Hassan Rouhani brilhar e acontecer um acordo nuclear final, o cenário econômico melhorará muito, especialmente mediante massivos investimentos europeus. Se Washington abortar o acordo, pressionada pelos lobbies corriqueiros, Teerã sempre poderá exercitar toda a sua “flexibilidade heróica”, e seguir adiante – em integração cada vez mais próxima e mais completa com ambos, Rússia e China.
(texto enviado por Valter Xéu)