O processo eleitoral pode até parecer uma caixinha de surpresas,
mas pesquisadores do tema identificam fatores e elementos no perfil de cada
candidato que podem ser determinantes no pleito. Um levantamento inédito sobre
os deputados federais brasileiros, contemplando todos os mandatos, desde o
período da Primeira República até aqueles que se encerram neste ano, vem sendo
feito em parceria entre a Universidade Federal da Integração Latino-Americana
(UNILA) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Com financiamento do CNPq, a pesquisa “As transformações da classe
política brasileira nos séculos 20 e 21: um estudo do perfil sociopolítico dos
deputados federais (1889-2014)” foi proposta pelo professor Renato Monseff
Perissinotto (UFPR), além dos professores Bruno Bolognesi (UNILA) e Adriano
Nervo Condato (UFPR), que fazem parte do Núcleo de Pesquisa em Sociologia
Política Brasileira da UFPR. Há parcerias internacionais com a Universidade Nova
de Lisboa, de Portugal, e a Universidad
Nacional de General Sarmiento, de Buenos Aires, Argentina. A
pesquisa justifica-se pela ausência de análises quanto ao perfil social
dominante e aos padrões de carreira política de senadores e deputados federais
e, como isso, tem transformado-se ao longo do tempo.
O estudo organiza informações de todos os deputados federais
brasileiros – cerca de 7,2 mil nomes -, como dados sociais (origem de classe,
acesso à educação superior e posse de títulos escolares, habilidades
profissionais, gênero, entre outros) e políticas (idade de ingresso no mundo da
política, número de mandatos antes de chegar a posições superiores na
hierarquia política, quantidade de partidos por que passou, cargos estratégicos
que dirigiu). Entre as fontes, está o Dicionário Histórico Biográfico
Brasileiro (DHBB), organizado pela Fundação Getúlio Vargas, além de outras
publicações. A proposta é de, ao final, reunir todos esses dados no
“Observatório de elites políticas e sociais do Brasil”, que já pode ser
acessado em observatory-elites.org.
Análises mais específicas vêm sendo feitas com esse banco de
dados. Neste momento, os pesquisadores trabalham analisando duas situações: a
profissionalização da carreira (versus o amadorismo) e o fenômeno de popularização da
Câmara dos Deputados. Em síntese, os dados levantados apontam para o deputado
federal como resultado de uma trajetória “profissional” em zig-zag por cargos
públicos e para um perfil menos elitista de deputado, não pertencente à classe
alta.
“No início da República tínhamos um perfil
de político que era, quase que integralmente, vinculado às forças políticas e
econômicas da época. Eram os notáveis. Ao longo dos anos, e com intensidade a
partir de 2002, estes candidatos das classes altas perdem espaço, que passam a
ser ocupados por assalariados, servidores públicos, e, em menor medida, pelas
classes populares”, disse o professor Bruno Bolognesi, do curso de Ciência
Política e Sociologia, que coordena o projeto na UNILA. Nesse sentido, de um
lado verifica-se uma queda no percentual de indivíduos com perfil mais
tradicional e, de outro, um aumento no número de indivíduos de profissões
típicas da classe média, sendo em sua maioria de escolaridade relativamente
elevada.
Esta maior popularização da Câmara dos Deputados, lembra o
professor, levou à necessidade de uma maior profissionalização dos candidatos,
que precisaram investir mais tempo e dinheiro em torno das candidaturas antes
do início oficial da corrida eleitoral. De acordo com Bolognesi, no Brasil, a
estimativa é de que para cada voto são gastos 10 reais em campanha. Além desse
recurso, o candidato precisa se preparar - quanto à oratória e argumentação - e
dedicar tempo a atividades sociais e à campanha em si.
“Já temos a segunda eleição mais cara do
mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, que divide sua eleição em duas grandes
campanhas (a primeira interna, nos partidos, e a segunda na sociedade). Uma
campanha que acontece, principalmente, na televisão”, explicou.
Eleições
Além da maior profissionalização e popularização dos quadros, os
dados auxiliam a identificar uma série de fenômenos recentes no país no campo
político. Em detrimento à diminuição de deputados federais pertencentes à classe
alta, houve uma expansão de quadros representativos vinculados à igreja (com a
formação de uma forte bancada evangélica), o impacto de candidatos-celebridades
(que auxiliam no puxar de votos para as legendas e coligações) e o crescimento
de mulheres como deputadas federais. “Essa questão de gênero é uma que estamos
trabalhando com alunos da UNILA, que vêm realizando análises no banco de dados
formado. Percebe-se um tímido crescimento nesse ponto”, disse. “Essas análises
são importantes para revelar a lógica institucional da Câmara dos Deputados e
os critérios com que vem funcionando. Com base nas análises, podemos tentar
melhorar a democracia”, finaliza.