Fonte: Tribuna da Internet - Deu em O Globo
Os cubanos foram pegos de surpresa. Nem mesmo alguns dos ativistas mais conhecidos da ilha esperavam pelo passo histórico dado ontem pelos governos de Cuba e Estados Unidos, que anunciaram a reabertura de relações diplomáticas após 53 anos de rompimento. Para a maioria — mesmo os opositores ao regime castrista — as mudanças serão importantes para a população como um todo, não só porque são um primeiro passo para reformas internas significativas, mas porque podem atrair os holofotes para os verdadeiros problemas do país.
— É um passo que vai reiterar um clima melhor para os dois povos, especialmente porque nos permitirá focar em nossos problemas mais urgentes, como a falta de democracia em Cuba, ou seja, na relação entre o governo cubano e seus próprios cidadãos — afirma ao Globo o ativista e professor Dagoberto Valdés, perseguido pelo regime por fazer críticas na revista “Convivencia”. — Agora esperamos um diálogo similar entre o governo e a sociedade civil.
Pelo Twitter, a blogueira e jornalista Yoani Sánchez passou o dia comentando o anúncio. E questionou a ausência de um posicionamento por parte do líder Fidel Castro. Para ela, mesmo que seu irmão Raúl diga o contrário, o anúncio “tem um sabor amargo de capitulação”.
“Uma era termina e espero que esta nova que começa seja do protagonismo da sociedade civil”, escreveu. “Quero ver em quem colocarão a culpa agora sobre o colapso econômico e a falta de liberdades que vivemos em Cuba”.
São os mesmos questionamentos feitos por Valdés. Ele, que espera que o fim do embargo seja o próximo passo a ser tomado pelos EUA, criticou também a falta de investimentos do governo internamente:
— Falta resolver os problemas que vivemos diariamente, a crise econômica, a falta de liberdade civil política. Espero e desejo que o embargo se resolva em pouco tempo, mas o verdadeiro problema não é este. O verdadeiro bloqueio é o que o governo cubano impõe à iniciativa de seus próprios cidadãos. Deve haver uma lei de liberdade empresarial, de investimentos não só para estrangeiros, mas também para os cubanos, um verdadeiro respeito à propriedade privada.
CONFLITO DE GERAÇÕES
Na comunidade cubana exilada na Flórida, conhecida pelo conservadorismo e pela ojeriza ao castrismo, a notícia dividiu opiniões. Se por um lado, muitos dissidentes ainda defendem cegamente a queda do regime e são contra qualquer passo capaz de favorecê-lo, por outro, despontam novas gerações de cubano-americanos contentes com esse primeiro passo, avalia a socióloga Marifeli Pérez-Stable, da Universidade Internacional da Flórida.
— É claro que essa questão envolve emoções, muitos imigrantes mais antigos vão ficar irritados. Desde 2009, quando Obama flexibilizou as visitas e liberou as remessas de dinheiro a Cuba, essa geração mais antiga o chama de traidor, o acusa de adotar medidas que ajudam o regime a sobreviver. Mas essas vozes não são mais tão fortes. A opinião dos cubano-americanos está mudando. Existe também o entendimento de que esse é o primeiro passo de um processo lento e difícil e de que talvez seja possível trabalhar pela instauração de uma democracia sem a necessidade de derrubar o governo — diz ela.
Segundo Marifeli, uma boa primeira medida para ajudar a restaurar a confiança no governo de Havana é fazer com que a Assembleia Nacional do Poder Popular, o Congresso cubano, aprove acordos internacionais na área de respeito aos direitos humanos — muitos dos quais já foram ratificados pelo
Gabinete.
LIBERDADE E DEMOCRACIA
— Este é um foco importante, fazer com que Cuba se comporte como todos os países democráticos. Outro ponto é cobrar aquilo que o presidente Obama já expressou publicamente: seu desejo de ver representantes da sociedade civil cubana participando ativamente da Cúpula das Américas no Panamá, no ano que vem. Seria uma prova de comprometimento de Raúl Castro com a liberdade e a democracia — sugere a professora.
Para Orlando Gutiérrez-Boronat, secretário-geral do Diretório Democrático Cubano, no entanto, sobram críticas à barganha política e à libertação de cubanos presos.
“A decisão do governo Obama de soltar três espiões terroristas da ditadura castrista, em troca de pôr fim ao injusto sequestro do cidadão americano Alan Gross, é um grave erro”, disse em nota.