Frédéric Rohart
L’Eco, Bélgica
À margem de negociações tumultuadas para o prolongamento da ajuda financeira, a Grécia prepara-se para outra discussão, mais fundamental: a de um eventual cancelamento de pelo menos parte da dívida, através de uma auditoria a cargo de uma comissão de especialistas internacionais.
O Parlamento grego acaba de anunciar a constituição desta comissão. A presidenta da Assembleia, Zoe Konstantopoulou, anunciou que o colegiado será presidido por Éric Toussaint, belga de Namur e porta-voz do Comitê para a Anulação da Dívida do 3º Mundo [orig. Comité pour l’annulation de la dette du Tiers-monde].
Historiador e doutor em Ciências Políticas, Toussaint já acompanhou as iniciativas de auditorias das dívidas belga, francesa e portuguesa. A nova comissão analisará as dívidas que estão sendo cobradas da Grécia, “para definir quais as dívidas legítimas, ilegítimas, ilegais, odiosas ou inadmissíves” – explicou o “coordenador científico” recém-nomeado da Comissão.
A comissão será composta de cerca de 30 especialistas (juristas, economistas, especialistas em auditagem de contas públicas) gregos e estrangeiros. Os nomes serão revelados em abril, antes da primeira sessão de trabalho.
EXEMPLO DO EQUADOR
O Prof. Éric Toussaint já fez parte da comissão que fez a auditagem da dívida do Equador em 2007-2008. A partir do trabalho dessa comissão, o Equador adotou uma estratégia para a dívida que muito beneficiou o país. Em 2011, ele lançou, com outros intelectuais, cinco dos quais são hoje ministros do governo de Alexis Tsipras – um apelo internacional, que culmina agora com a constituição da comissão para auditagem cidadã da dívida grega.
A comissão presidida por Toussaint examinará todas as transações desde os anos 1990. Na primeira etapa, a comissão trabalhará sobre o período imediatamente anterior à intervenção da Troika (FMI, Banco Central Europeu e , até hoje. “Como nas tragédias gregas” – diz o professor Toussaint, – “há unidade de espaço, de tempo, de protagonistas” – o professor continua.
“Nesse período, foram contraídas 80% das dívidas que os banqueiros cobram hoje da Grécia” – diz o professor. Depois, trabalharemos com o período que precede a entrada da Grécia na zona do euro e as condições nas quais se deu. Sabe-se já dos grandes dossiês de ‘maquiagem’ das contas da Grécia com a ‘ajuda’ de Goldman Sachs, mas há outras questões importantes do final dos anos 1990s, sobretudo os contratos gigantes entre o governo grego e a multinacional Siemens. Já temos um estudo sério que avalia em 200 milhões de euros a quantidade de dinheiro que a Siemens pagou a autoridades do governo grego. Examinaremos também o imprevisto endividamento relacionado aos Jogos Olímpicos.”
LEI OBRIGA AUDITAGEM
Perguntado sobre se na atual situação de tensão entre a Grécia e seus credores essa auditagem não seria recebida como provocação, o professor Toussaint lembrou que, em maio de 2013, a União Europeia adotou a Lei n. 472, que obriga todos os países submetidos a programa de ajuste estrutural a fazer auditagem completa da própria dívida, para que se saiba por que a dívida teria chegado a níveis insustentáveis.
“A Grécia está, simplesmente, cumprindo uma regra vigente da União Europeia” – concluiu ele.
(texto enviado por Sergio Caldieri, tradução de Vila Vudu)