Fonte: MEGAFONE - Quase dois meses após a paralisação das universidades federais, o Brasil já tem um quadro histórico da greve deste setor com a adesão de 95% das instituições. Em Foz do Iguaçu, a Unila (Universidade da Integração Latino Americana) segue as demais universidades e mantém a paralisação encabeçada pelo ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior).
O MEGAFONE conversou com a presidente de Adunila (Associação dos Docentes da Unila), professora Gisele Ricobom.
Megafone - As últimas notícias dão conta de que 95% das universidades federais estão paralisadas neste momento. Como você avalia esta mobilização?
Gisele Ricobom - É realmente um momento de excepcional mobilização docente em defesa do ensino de qualidade e sinaliza claramente o amplo descontentamento da categoria com o governo federal. Ainda no governo Lula, houve o processo de expansão das universidades federais pelo Reuni que significou a ampliação do número de vagas, a criação de novas universidades, bem como a interiorização do ensino universitário. Esse processo de reestruturação do ensino público superior produziu forte impacto na atividade docente, pois as condições de trabalho, que requerem infraestrutura adequada, não avançaram em igual medida e proporção. Ademais, não houve a necessária valorização da carreira. No serviço público federal, a carreira do magistério superior é uma das mais desvalorizadas em termos salariais, o que é inadmissível quando se defende a educação como um dos principais valores do Estado. É também bastante curioso que o governo não se sente à mesa de negociações e fique em absoluto silêncio sobre a greve, assumindo o prejuízo provocado a milhares de estudantes. Não podemos esquecer que o próprio Ministro da Educação foi presidente da Andes e deveria estar, portanto, mais sensível às reivindicações de uma greve dessa proporção. É simbólico que um governo com forte tradição sindical enfrente uma paralisação que afeta a quase totalidade das universidades federais.
Megafone - Quais as reivindicações gerais e as específicas da UNILA?
Ricobom - Os professores da Unila acompanham as reivindicações da pauta nacional, que são a reestruturação da carreira docente e a melhoria nas condições de trabalho dos professores. A reestruturação da carreira reflete não apenas aumento salarial, mas principalmente a forma como ocorre a progressão, o que inclui o tempo de serviço e a definição dos critérios para que se possa chegar ao nível mais avançado na carreira. Estamos falando de uma vida inteira dedicada ao ensino superior e, portanto, a valorização do ensino e do conhecimento científico necessariamente depende de como se pode progredir nessa carreira, não só a deixando mais atrativa, mas principalmente mais digna. No plano local, temos uma pauta extensa que inclui principalmente a reivindicação da institucionalização da Unila, o que significa descentralizá-la acadêmica e administrativamente. São também demandas a infraestrutura (salas de aula, laboratórios, biblioteca e espaços necessários para o desenvolvimento das atividades acadêmicas), os critérios para a constituição da pós-graduação, a regulamentação das regras de estágio probatório e avaliação docente, bem como a regularização de todos os cursos ofertados pela Unila.
Megafone - Como tem sido as conversas entre o comitê de greve e a direção da Unila?
Ricobom - O comitê de greve e a diretoria da Unila têm avançado positivamente nas negociações da pauta local. Estamos firmando compromissos que podem significar uma efetiva consolidação do projeto Unila. Há uma preocupação de, inclusive, estabelecer prazos que permitam vislumbrar o tempo de implantação dos órgãos previstos no Estatuto da Universidade. Até o momento, o diálogo tem sido construtivo. Temos ainda outros pontos importantes a negociar, mas a retomada das atividades na Unila está condicionada a outra forma de funcionamento da Instituição que dependerá, como em qualquer outra Universidade, da adequada valorização das funções do corpo docente.
Megafone - Os alunos têm participado das atividades. Como eles estão reagindo a este período de paralisação?
Ricobom - A greve na Unila é de mobilização. Os professores organizaram-se para discutir os temas da pauta nacional e local. Fizemos diversas reuniões específicas e assembleias gerais entre o corpo docente. Organizamos também diversas atividades culturais que envolveram os estudantes.Houve igualmente uma importante organização do movimento estudantil que estabeleceu a sua própria pauta de reivindicações. Estamos nos reunindo com representantes dos estudantes e técnicos administrativos para verificar os pontos comuns entre as três categorias. É um histórico momento de politização da Universidade. Não obstante, depois de um mês de greve é natural que muitos estudantes tenham decidido por aguardar a retomada das atividades em suas cidades de origem, até porque a maioria dos nossos estudantes é proveniente de outras cidades do Brasil e de outros países da América Latina.
Megafone - Já existe alguma perspectiva para retorno às aulas, o governo já sinalizou alguma possibilidade de acordo?
Ricobom - Não há ainda perspectiva de retorno exatamente pela ausência do governo na mesa de negociações. O governo havia se comprometido a apresentar uma proposta ainda em maio, mas cancelou todas as reuniões que havia agendado. Nesse contexto, não há como prever quando ocorrerá a retomada das atividades acadêmicas.
Megafone - Quanto ao semestre. Haverá reposição de aulas no período das férias de verão?
Ricobom - Nós pedimos a suspensão do calendário acadêmico para garantir a reposição adequada do conteúdo perdido. A reitoria entendeu pela impossibilidade da suspensão, razão pela qual não sabemos como será feita essa reposição. Com esse quadro, apenas após o fim da greve é que saberemos com exatidão como a reitoria irá reajustar o calendário. Nesse momento, qualquer previsão minha poderia ser equivocada.
Megafone - Deixe suas considerações sobre o assunto.
Ricobom - Como conclusão, gostaria apenas de deixar claro que o silêncio do governo federal frustra a expectativa de milhares de professores, técnicos administrativos e estudantes. O crescimento do Brasil, a sua ressaltada importância no cenário internacional, e o afirmado compromisso com o desenvolvimento social exigem uma firme resposta governamental em favor do ensino superior público e de qualidade. Não é possível que se ignore nossas reivindicações, contando que o tempo será capaz de desmobilizar. Ao contrário, a cada dia temos novas adesões que incluem, inclusive, outras categorias. A responsabilidade do governo se amplia quando se perdura o tempo da greve, agravando todas as consequências de uma paralisação dessas proporções.