A certificação é uma das etapas da premiação e garante a inclusão do projeto no Banco de Tecnologias Sociais da Fundação. Os finalistas serão anunciados em 15 de agosto. Esse é um passo importante para o coletivo de mulheres que se reúne há cerca de dois anos no Centro Comunitário da Vila C para trocar saberes, pois permite a ampliação das atividades, por meio de parcerias com empresas, e o recebimento de doações de parcela do Imposto de Renda devido por empresas e pessoas físicas.
Design participativo
“O que pretendemos com esse projeto é criar núcleos de design participativo – que são coletivos organizados ou em via de organização – aliados à economia solidária”, explica Karine Queiroz, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNILA e coordenadora do projeto. O Coletivo 10Caminhos da Vila C é o primeiro deles. Na criação dos núcleos, professores e estudantes orientam não só a produção, mas a organização formal. “O problema do artesanato nunca é a produção. Há capacidade criativa inconteste e capacidade produtiva. O problema é fazer girar, vender”, diz a docente. “Mais do que tudo a iniciativa prioriza o empoderamento feminino através da potencialização da capacidade criativa e do saber local”, completa.
A criação aliada à economia solidária transforma-se também em fonte de renda, com o estabelecimento de relações produtivas pela e na comunidade. “É um modo de trabalhar e sair da crise. É importante ter ambições porque isso cria nas pessoas desejo de sair do lugar”, afirma a professora.
A condição para as doações feitas pela Receita Federal é a descaracterização dos produtos. Um relógio não pode ser vendido como relógio, tem de ser transformado. No Coletivo 10Caminhos, esses produtos são base para pulseiras, colares, brincos. De acordo com Karine, a descaracterização do produto e sua transformação em outros geram ocupação, renda, impostos que ficam na cidade e estimulam a economia local. “Saímos de uma economia social, que é a da caridade e tem um relação vertical, para uma economia solidária, que é horizontal. O paradigma da economia social é o desperdício, o da economia solidária é a criatividade.”
O projeto, que começou com uma parceria importante com a Receita Federal, hoje também recebe doações de materiais dos projetos Ñandeva e do Parque Tecnológico Itaipu (PTI).
Vínculos
Na Vila C, bairro localizado entre duas unidades acadêmicas da UNILA (PTI e Jardim Universitário), a ação envolve um grupo de costureiras que se reúne no prédio do Conselho Comunitário, onde há 19 máquinas de costura em operação e um espaço para a criação e produção. “Eu buscava tentar ajudar no que eu sei e aprender o que os outros sabem. Para mim está sendo muito bom porque conheci novas pessoas, fiz novas amizades. Fazer crochê, criar coisas. Isso é muito bom. Minhas ideias vão lá longe”, diz Maria Aparecida de Oliveira, resumindo a opinião do grupo, formado ainda por Maria Pereira da Silva, Leonice Menger, Noeli Locks e Kelly Baldessar. “Cada dia que passa a gente inventa uma coisa. Qualquer bolso de uma roupa que você criar diferente, qualquer bolsinha de crochê ou malha, pra gente é maravilhoso.”
Karine destaca o que ela chama de característica mais importante da Vila C: um bairro criativo. “A Vila C é território do saber fazer. Tem costureiras, bordadeiras, tricoteiras, sapateiros, marceneiros. Existe muito potencial humano aqui”, comenta, explicando que o projeto busca, em longo prazo, transformar o local no primeiro distrito criativo da Tríplice Fronteira.
Numa região com três países e diferenças culturais riquíssimas, a ideia é sensibilizar as pessoas para as possibilidades de trabalho com objetos que antes seriam destruídos e iriam para o lixo. “É um espaço de caça-talentos não só de iniciação às noções de design e novas tecnologias, mas de pessoas que se autodescobrem nesses processos”, explica a docente.
Uma etapa fundamental no processo de criação foram as oficinas de ecodesign ministradas pela professora Celine Veríssimo, também do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNILA. “A ideia é mostrar que há outras possibilidades para além do design de elite, [cujas peças] vão para o mercado com preços altíssimos. Entendemos com essa ideia que qualquer um pode ser um designer artesão”, comenta Celine.
Depois das oficinas, o grupo participou de um “passeio criativo” para a observação de elementos característicos da cidade. Desse passeio saiu o “fio condutor” para as peças a serem produzidas: as cataratas, a produção e transmissão de energia e a terra vermelha. Foi com base nessa experiência que a coleção “Força das Águas” ganhou cores e padrões.
No grupo, uma ensina a outra e, de orientação em orientação, de conversa em conversa, elas vão transformando pedaços de muitos materiais apreendidos em um exemplar único, exclusivo, e vão aprendendo que podem gerir um negócio, crescer, agregar conhecimento. E vão criando vínculos. “Artesanato não é só produção de renda. É produção de relações, possibilidade de bem viver. O que a gente produz mesmo é bem viver. Existe um aspecto mais alargado de economia dentro do artesanato que é a possibilidade de participação em feiras, de viajar e conhecer outros grupos. Isso é uma economia que conta. Não é só a renda gerada, mas as experiências geradas. Isso é um retorno que tem que ser economicamente mensurado.” afirma Karine.
Festival
Uma parte dos produtos desenvolvidos até agora poderão ser vistos e adquiridos no dia 12 de agosto, quando acontece o 1º Festival Comunitário da Vila C. O evento, que terá ainda apresentações culturais e comidas típicas, entre outras atrações, será realizado no Centro Comunitário da Vila C (Rua Vila Velha, 63), das 16h às 22h.