A Justiça tem o seu tempo – tempo esse que, infelizmente, não corre com a celeridade que a sociedade na sua ampla maioria deseja – mas, temos que admitir – na grande maioria dos casos, ela tarda, mas não falha.
No último dia 15 de fevereiro, por exemplo, a Dra. Juliana Cunha de Oliveira Domingues, Juíza de Direito da nossa Comarca, atendendo a solicitação do Ministério Público (Processo: 0001668-08.2014.8.16.0159), Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, julgou procedente a Ação e condenou os Réus Charles Winicius Zilio, Claudiomiro da Costa Dutra, Laboratório São Camilo Ltda-ME, Maria Elisabete de Borba, o Município de São Miguel do Iguaçu, CESMED e Janice Albuquerque, a devolverem aos cofres públicos a importância de R$ 8.954.469,00. O vice-prefeito da época, Mauro Remor, que também fazia parte da ação como réu, foi inocentado.
Vejam vocês que esse processo iniciou-se em 2014, e os réus ainda podem recorrer. E de lá para cá, mesmo sabendo que seria condenado e que o MP estava investigando as suas ações, o quadro se manteve inalterado, com esse mesmo empresário dando as cartas e mandando no setor como se fosse a extensão da sua própria casa.
Circulando com a maior desenvoltura, dando ordens e dizendo o que deve ou não ser feito na área de saúde, que é bom que se diga, onde deslizam valores, notas, contratações e tudo o que você pode imaginar, ele coordenou a eleição de 2016, reelegendo o mesmo réu que está com ele nesta ação e uma penca de penduricalhos que lhe devem obrigação - e hoje lhe retribuem a gentileza no Legislativo, legislando na contra-mão.
Vejam a gravidade desta situação.
Alguém poderia dizer: Mas faz tempo que ele não responde mais pela CESMED. Isso no papel para enganar os que eles consideram “os trouxas” e dar risada da cara da população.
Hoje de manhã, por exemplo, ao visitar a Feira do Produtor, no centro, uma senhora, que prefiro não identificá-la para não sofrer nenhum tipo de reataliação, que é bom que se diga - falou alto e com ótimo som no meio de cinco pessoas - e o mais importante, não pediu segredo para ninguém, desabafou: “Eu não quero levar uma vida dessas de jeito nenhum. Essa semana ele foi visitar o meu marido que é Conselheiro da Saúde e levou junto um segurança particular que fica ao lado dele o tempo todo. Eu não tenho quase nada – mas ando por aí de cabeça erguida...”.
Por que conto isso? Para mostrar o que praticamente 100% da população sabe, que o secretário de Saúde de fato no município, continua sendo ele – mesmo que, de direito tenha outros laranjas para comandar, assinar e referendar.
E o que eles dizem na intimidade: “Do couro sai à correia...”, ou seja, “se tivermos que pagar, pagaremos – mas, de algum lugar esses valores tem que saltar...”, dando sonoras gargalhadas, isso quando não repetem o velho jargão que foi criado e sancionado pelo primeiro Ministro: “chupa que é de uva...”
E por que fazem isto? Simplesmente por que eles têm uma base sólida no Legislativo, onde essa praga chamada de Nepotismo Cruzado faz com que um dependa do outro para aumentar mais e mais os seus ganhos e privilégios.
E o povo? “O povo que se exploda”, como dizia o nosso saudoso Chico Anísio com o seu humor refinado na Escolinha do Professor Raimundo.
E qual a consequência disso? Temos hoje uma das cidades mais violentas da região. Dados da Secretaria de Segurança Pública demonstram que entre os 35 crimes ocorridos no ano 2016/2017 – entre os seis municípios da região (Medianeira, Serranópolis do Iguaçu, Missal, Itaipulândia e Santa Helena e São Miguel) nós somos os responsáveis por mais de 50% (18).
E por que isso acontece? Os dois Ginásios de Esportes da cidade, estão interditados para eventos; o Terminal Turístico encontra-se fechado, enquanto, todos os outros municípios continuam usando e realizando eventos culturais e esportivos que visam renovar e aumentar a auto estima da sua população.
Voltando a matéria, quem tiver um tempinho a mais, vale a pena ler atenciosamente as 35 páginas desta decisão, onde está explicitado os depoimentos – o que disseram os réus em suas defesas e, o mais importante – serve de escola para os demais que acham que é possível ganhar mais e mais sem se importar com as ondas que batem no cais.
Os exemplos são vários, mas faço questão de lembrar aqui um dos procedimentos de inexigibilidade uma das principais armas usadas por essa “Organização” que tomou conta da saúde.
Lembra a Juíza: “Ainda, da análise dos fatos, verifico que mesmo com a juntada posterior dos documentos de outra empresa interessada (Laboratório Casagrande), o recurso foi sumariamente não recebido, por estar em dissonância com o edital (e com a referida cláusula restritiva).
Assim, concluo que todo o trâmite do procedimento de inexigibilidade nº 035/2013 possuiu elementos concretos de direcionamento de licitação, posto que atuou de forma a beneficiar – e credenciar – apenas uma empresa, a qual sagrou-se vencedora, o Laboratório São Camilo, de propriedade de membro da coligação que elegeu o Prefeito Municipal”.
Outro item que mais uma das pérolas da sua decisão: “A Secretária de Saúde iniciou o procedimento já direcionado, a procuradora manifestou-se pela legalidade do procedimento sem justificativa apta a sustentar a inexigibilidade de licitação, o gestor Municipal atuou efetivamente autorizando e homologando o procedimento viciado e a empresa Laboratório, por meio de seu sócio majoritário, foram os beneficiários da empreitada.
No caso dos autos, a Procuradora Jurídica exarou parecer genérico, em nenhum momento questionando a inexigibilidade de licitação proposta pela Secretária de Saúde (!), o que demonstra total inversão da lógica procedimental, posto que caberia à procuradora dizer a modalidade/inexigibilidade, e não outro setor municipal. Quanto à responsabilidade do gestor público, prefeito municipal, restou configurado que este atuou de forma ativa no procedimento, bem como é fato incontroverso que houve participação relevante do beneficiário do contrato, Charles W. Zílio, na campanha que culminou na sua eleição para Prefeito Municipal em 2012”.
Deste modo, o dolo resultou presente pela análise do modo de agir dos agentes Maria Elisabete de Borba, Claudiomiro da Costa Dutra, Janice Albuquerque, Charles Winicius Zilio e Laboratório São Camilo, sendo que dita análise decorre da observação de diversos atos concatenados, não sendo possível especificar uma conduta única em que o dolo dos agentes teria se consumado. Portanto, presentes os requisitos para a configuração da violação a princípios administrativos, conforme art. 11, caput, e inciso I, da Lei de regência, deve ser reconhecida a nulidade do contrato nº 145/2013 firmado entre o Município de São Miguel do Iguaçu e Laboratório São Camilo, bem como, em razão do flagrante direcionamento de contratação, devem os requeridos Maria Elisabete de Borba,
Claudiomiro da Costa Dutra, Janice Albuquerque, Charles Winicius Zilio e Laboratório São Camilo se submeterem às sanções previstas no art. 12, III, da LIA.
Por outro lado, não houve comprovação de atuação do Vice-Prefeito à época, Mauro Luciano Remor em todo o procedimento, razão pela qual entendo insuficientemente provados os fatos com relação a este.
Da análise dos autos, verifico que idêntica situação ocorreu com o procedimento de inexigibilidade nº 039/2013.
Neste, o requerimento da Secretária de Saúde igualmente mencionou: “nos termos do plano de estratégia (normativa/decreto/regulamentação) estabelecida para o fornecimento/compra de bens/materiais/serviços, solicitamos o credenciamento de empresa para prestação de serviços médicos em especialidades, Medicina Clínica, Ginecologia, Pediatria, Psiquiatria, Ortopedia, Cardiologia, Dermatologia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Gastrenterologia, Indocrinologia, ultrassonografia, Urologia, Medicina do Trabalho, Anestesiologia, Plantão 24 horas e serviços de especialidades odontológicas (ev. 1.8, p. 01/02)”.
O ofício direcionado ao administrador municipal, subscrito pela Secretária de Saúde municipal, à época, também mencionou o termo “credenciamento” por diversas vezes. Novamente, salta aos olhos desse Juízo a forma pela qual a Secretária de Saúde formulou o requerimento para aquisição do bem ou serviço, já direcionando a modalidade ou, no caso, inexigibilidade do procedimento licitatório, ao requerer o credenciamento de empresa. Isso porque, como mencionado alhures, não cabe ao setor formulante indicar qual seria a modalidade de licitação, pois esta é dada pela Lei 8.666/93, tomando-se por base o valor estimado, como explanado no item anterior. Deste modo, dado o valor estimado da contratação, a modalidade que deveria ter sido adotada, em princípio, seria a concorrência (art. 22, I, Lei 8.666/93).
(...) Considerando tais balizamentos, entendo suficiente e adequado, a título de danos morais, fixar o valor de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais), condenando os requeridos Claudiomiro da Costa Dutra, Charles Winicius Zílio, Laboratório São Camilo, Maria Elisabete de Borba, Cesmed – Centro de Especialidades Médicas e Janice Albuquerque, solidariamente ao valor do dano, valor este que deve ser revertido ao Fundo Municipal de Saúde de São Miguel do Iguaçu, nos termos do art. 13 da Lei 7.347/85.
3.1) Declarar nulos os contratos 183/2013 e 145/2013, firmados pelo Município de São Miguel do Iguaçu e, consecutivamente, as empresas Cesmed – Centro de Especialidades Médicas e Laboratório São Camilo;
3.2) Condenar os réus Claudiomiro da Costa Dutra, Charles Winicius Zílio, Laboratório São Camilo, Maria Elisabete de Borba, Cesmed – Centro de Especialidades Médicas e Janice Albuquerque às seguintes sanções:
i) Para Claudiomiro da Costa Dutra, Maria Elisabete Multa civil: de Borba e Janice Alburquerque, pagamento de multa civil correspondente a 20 vezes o valor da remuneração recebida à época dos fatos (mês junho de 2013, data da assinatura do primeiro contrato); enquanto para Charles Winicius Zílio, Laboratório São Camilo e Cesmed – Centro de Especialidades Médicas, pagamento de multa civil equivalente a 20% da soma dos valores dos contratos firmados nos contratos acima declarados nulos. Tais valores devem ser corrigidos monetariamente pela média do INPC e IGP-DI e devem ser revertidos em favor do Fundo Municipal de Saúde de São Miguel do Iguaçu até o efetivo pagamento.
ii) Para os todos os requeridos condenados, perda da função pública (se aplicável), suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, bem como proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
iii) Por fim, com fulcro nos artigos 186 e 927, CC/02, condeno solidariamente os requeridos Claudiomiro da Costa Dutra, Charles Winicius Zílio, Laboratório São Camilo, Maria Elisabete de Borba, Cesmed – Centro de Especialidades Médicas e Janice Albuquerque, ao pagamento do valor de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais), a título de danos morais coletivos, corrigido monetariamente pela média do INPC e IGP-DI e acrescido de juros de mora de 1% a partir do presente arbitramento, valor este que deve ser revertido ao Fundo Municipal de Saúde de São Miguel do
Iguaçu. Condeno os requeridos, ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais.
Considerando a condenação dos requeridos Claudiomiro da Costa Dutra, Charles Winicius Zílio, Laboratório São Camilo, Maria Elisabete de Borba, Cesmed – Centro de Especialidades Médicas e Janice Albuquerque, entendo que prevalecem íntegros os requisitos ensejadores da ordem liminar de indisponibilidade de bens quanto a estes, mantida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Assim, determino à Escrivania, considerando o acesso direto ao Sistema de Indisponibilidade de Bens, proceda-se à inclusão da ordem de indisponibilidade dos seis requeridos, acima mencionados, junto ao sistema.
Por outro lado, considerando que foi julgado improcedente o pleito quanto ao requerido Mauro Luciano Remor, revogo a liminar quanto a este e determino o levantamento da ordem de indisponibilidade", conclui a Dra. Juliana Cunha de Oliveira Domingues, Juíza de Direito da Comarca de São Miguel do Iguaçu.