Ele tem 19 anos de idade e acabou de se profissionalizar como ator. “Mas continuo fazendo um curso técnico de teatro na instituição Cena Hum. Além disso, faço Direito na UFPR. Estou indo para o segundo ano”. Estamos falando do jovem Haroldo Capelletti Nogiri Filho, que recentemente surpreendeu a todos nas redes sociais com uma produção artística “Drag Queen”, que é bom que se diga, lindíssima, no melhor estilo, capaz de confundir a cabeça de muitos marmanjos por aí...
“Uma coisa que reparei é que muitos não entendem que se montar, ou seja, fazer Drag Queen, não significa querer ser mulher ou estar mudando de gênero. É apenas uma forma artística. Continuo sendo um homem que apenas quer se montar e expressar a arte”, afirma.
Como se sentiu ao ver o resultado desta produção, deste ensaio fotográfico, perguntei: “Fiquei bem feliz. Mas não foi nenhum ensaio fotográfico. Minha amiga que tirou as fotos com o meu celular”, descreve.
Topa fazermos uma matéria mostrando esse lado artístico de alguém que procurar viver com a maior liberdade em busca da felicidade? “Opa, sem problema”, me disse ele.
Iniciamos já então. Via face book. Pode ser? “Sim, vai mandando e já vou respondendo. Pode ser por aqui mesmo, sim”.
Mesmo tratando-se de um tema que ainda é tabu por grande parte dos que se dizem civilizados, nos respondeu com rapidez e presteza, com a maior naturalidade.
Veja como ficou:
Jornal – Ficou muito linda essa transformação. Você cita uma amiga que a ajudou. De quem foi à iniciativa desse trabalho – da sua amiga, ou um desejo seu manifestado a ela?
Haroldo – Eu sempre quis fazer Drag Queen. Devido à rotina, acabava sempre adiando a oportunidade de me montar. A decisão finalmente veio quando estava chegando o mês do meu aniversário e eu pensei “por que não me montar no meu aniversário?." Então, eu conversei com a maquiadora Juliana Finardi e falamos sobre a minha ideia e ela super topou.
Jornal – Vi que você compartilhou as imagens dessa tua personagem nas redes sociais, com certo grau de pureza, naturalidade. Houve uma preparação mental e espiritual para esse trabalho?
Haroldo – Não teve nenhum ritual feito, apenas deixei-me levar pela energia contagiante da montação. Apenas fiz drag queen como uma forma artística, assim como atuar em cima de um palco, ou cantar em um show. Drag Queen não é uma identificação de gênero ou indicativo de orientação sexual, apenas uma forma de expressão artística.
Jornal – O ator, o artista Haroldo, como define o quadro político atual, principalmente para a classe?
Haroldo – Como artista, defino o quadro atual como crítico e preocupante. Os setores que apoiam o futuro governo mostram ser claramente desfavoráveis à arte. Costumam achar que é “coisa de vagabundo” ou perda de tempo. Qualquer coisa culpam a famosa Lei Rouanet sem saber, ao menos, o básico desta. O famoso senso comum operando em boa parte da população. A classe artística, mais do que nunca, precisa se manter unida e preparada para reivindicar seus direitos, caso estes forem ameaçados e/ou retirados. No mais, que continuemos fazendo o nosso trabalho: inspirando, expressando e revolucionando.
Jornal – No mundo do cinema – o que mais te inspira?
Haroldo – Gosto muito da saga dos Jogos Vorazes, na qual se retrata um mundo meio futurista em que os participantes devem sobreviver a uma competição de matança entre si. O que me atraiu nesta saga é a revolução contra um sistema opressivo e autoritário que a protagonista inicia de forma não intencional
Jornal – Nos fale um pouco mais sobre a tua personagem Ororo. Como surgiu o nome, coisas assim?
Haroldo – O nome surgiu devido à personagem Tempestade do X-Men. Seu nome é Ororo Munroe. A Tempestade (ou Ororo) foi a primeira personagem feminina que fez com que eu me interessasse pelo mundo feminino. Vale ressaltar que quando me refiro à feminilidade, conta-se o padrão socialmente construído e imposto. De qualquer forma, a Tempestade é uma mulher forte, com muitos poderes, imigrante e liderante. Ela tem características que sempre admirei e, pra mim, sempre foi a mais impressionante dos X-Men. Por isso, em todas as brincadeiras com meus amigos, nunca queria ser o Ciclope ou Wolverine. Sempre fingia que eu era a Tempestade. E assim brincávamos. Desde então, nunca mais achei personagens masculinos interessantes ou legais.
Jornal – Por que você acredita que isso aconteceu?
Haroldo – Sempre quis ser as mulheres porque elas despertavam muito mais força e tinham mais dignificado para mim. Não via graça em um herói que era o “machão” salvador da pátria, brigava por mulheres como se fosse um troféu e era extremamente padronizado como forte, guerreiro e insensível.
Jornal – Teve mais referências femininas?
Haroldo – Sim. Não pararam: de heroínas foram para artistas. Hoje, minhas principais referências são atrizes e cantoras. Nenhum homem. Dito isso, vejo a arte de Drag Queen como uma forma de expressar essa parte feminina que tanto me inspirou e me inspira até hoje. Portanto, nada melhor do que homenagear a minha Drag com o nome da primeira personagem feminina que despertou esse enorme interesse. A Ororo.
Jornal – Por onde você iniciou toda essa construção, me refiro aos materiais usados, decisão tomada e mãos a obra...
Haroldo – Comecei a pensar sobre minha montação uns dois meses antes do Pabllo Vittar (dia em que montei). Pensei, primeiramente, em peruca e, então, comecei a pesquisar. Faltando um mês eu achei uma peruca e resolvi compra-la. Era branca, assim como o cabelo da Tempestade. Quando comprei a peruca estava resolvido: iria fazer Drag Queen de qualquer jeito, afinal, a peruca já estava comprada. Como queria fazer algo marcante para mim, quis fazer algo que me representasse e que me fizesse sentir o poder que as minhas inspirações femininas exalam.
Jornal – Você deve convir que esta tua escolha foi algo forte, provocante...
Haroldo – Sim! Escolhi um look que achei provocante, bonito, forte e diferente. Não costumo gostar muito de coisas comuns. Por isso, escolhi algo que, aparentemente, foi chocante para muitos aí. Quanto à maquiagem, tinha ideia do que eu queria fazer, porem, não fazia ideia de como colocar em prática, pois sou péssimo com maquiagem. Então, como queria fazer algo bonito e confiável, fui conversar com a Juliana Finardi. Uma amiga da região que agora trabalha em Curitiba. Confio no seu trabalho devido a minha admiração aos seus posts nas redes sociais. Falei para ela o que eu gostaria em uma make, como brilho nos olhos, algo que contrastasse com minha pele e ressaltasse meus olhos (que são puxados). E assim ela fez! E muito bem! Não posso deixar de agradecer uma amiga minha: Deborah. Ela me ajudou em todo o processo e, inclusive, filmou eu sendo maquiado.
Jornal – Em síntese, gostou da experiência...
Haroldo – Sim, mas achei cansativa. O look que precisa ser ajustado a cada momento, a peruca que esquentava muito e fazia me sentir num forno, o batom que secava a minha boca...
Jornal – Pretende repetir a dose, ou até mesmo se apresentar em algum show pelos palcos da vida...
Haroldo – Confesso que não pretendo me montar logo logo. Mas, não recusaria uma possível oportunidade de me apresentar em algum lugar como em Curitiba, onde existem várias boates, nas quais as Drags de maior destaque apresentam seus lip synsc.
Jornal – Qual a lição que você tira dessa experiência para a tua vida pessoal e artística?
Haroldo – Uma coisa que reparei é que muitos não entendem que se montar, ou seja, fazer Drag Queen, não significa querer ser mulher ou estar mudando de gênero. É apenas uma forma artística. Continuo sendo um homem que apenas quer se montar e expressar a arte. As pessoas, de um modo geral, têm dificuldade em entender que um homem pode sim colocar uma peruca, roupas “femininas” e continuar sendo homem. Não existe nada de errado nisso. A não ser que você se utiliza do “feminino” para ridicularizar e/ou estereotipar. Como dito várias vezes: Drag Queen é uma forma de arte. Não uma identificação de gênero ou orientação sexual. O fato de eu estar fazendo Drag não significa que estou desconfortável em meu corpo, como alguns pensaram. Apenas fui um personagem, como qualquer outro que fiz em minha vida cênica. Claro que a Ororo teve um peso de significância pessoal imenso e crucial.