Presidente da Funai afirma, durante audiência pública no MS, atender aos ruralistas em sua gestão e orientou fazendeiros
Da Assessoria – Foto: Tiago Mioto / Cimi - “Estou colocando pessoas de minha confiança nas bases agora justamente para atender aos senhores. Então eu quero trazer aqui o recado a todos vocês que confiem no presidente da Funai”. Estas palavras foram ditas pelo atual presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão indigenista do Estado brasileiro, vinculado ao Ministério da Justiça, o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier.
Vocês podem imaginar que ao proferir estas palavras o presidente da Funai estava reunido com lideranças indígenas na sede do órgão indigenista, em Brasília. Certo? Só que não.
A frase foi direcionada a fazendeiros, líderes de sindicatos rurais patronais, parlamentares ruralistas contando com a presença do Secretário Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, durante audiência pública sobre questões fundiárias realizada na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, no último dia 8 de novembro. (Foto: ALMT)
Xavier, aliado da bancada ruralista do Congresso Nacional, não parou por aí. O delegado presidente da Funai tratou de fornecer orientações táticas aos fazendeiros nos seguintes termos: “Casos de invasão serão tratados como invasão. Não tenham receio! Levem ao conhecimento… os senhores, que estão na ponta, sabem o que ocorre. Nós que estamos em Brasília, às vezes não sabemos o que se passa aqui. Materializem, façam filmes, materializem, fotografem, levem ao presidente da Funai o que está acontecendo aqui”.
O Mato Grosso do Sul é o estado onde o ruralismo mais agride, oprime, violenta e assassina lideranças indígenas no Brasil. As denúncias e imagens de ataques contra os povos são recorrentes. Sobre isso, por exemplo, convidamos você a assistir e ajudar no compartilhamento da informação e do vídeo: Guarani e Kaiowá relatam caso de tortura durante ataques a retomadas em Dourados.
Ao mesmo tempo, conforme levantamento feito pelo Cimi, a invasão de terras indígenas, no Brasil, aumentou mais de 100% nos primeiros nove meses de 2019, relativamente a todo o ano de 2018. Pela função que exerce, o presidente do órgão indigenista do Estado brasileiro deveria visitar e dar sequência às denúncias dos Guarani Kaiowá; ou marcando presença e dando apoio aos povos de alguma das 153 terras indígenas invadidas por não índios, entre janeiro e setembro deste ano, a fim de ajudá-los no combate a essas invasões criminosas. No entanto, se colocou junto e orientou os fazendeiros a denunciar os povos indígenas já tão maltratados e desassistidos.
O delegado presidente da Funai parecia ansioso para apresentar aos ruralistas a “nova Funai” representada por ele. “Trago ao anseio dos senhores no sentido de que agora nós temos uma nova Funai”, disse. Em seguida, reclamou das críticas que vem recebendo dos povos e organizações indígenas e de organizações de apoio aos povos e tentou desqualificar as mesmas já que, segundo ele, “não me nomeiam e não individualizam nenhum fato”.
Embora já não faltassem fatos e argumentos para as críticas ao presidente da Funai, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e o Cimi trataram de apresentar, recentemente, ‘fatos novos’ sobre o tema, inclusive nomeando o mesmo. Em nota e matérias publicadas, demonstraram que: 1) O presidente da Funai nomeou profissionais desqualificados e ex-assessor de deputado ruralista para coordenar demarcações de terras indígenas no estado de Pernambuco e 2) Devido a “desinteresse” da Funai, manifesto pelo seu presidente, Procuradoria Federal Especializada desistiu de processo judicial, no TRF-4, contra reintegração de posse da Terra Indígena Palmas, no Paraná. Convidamos você a acessar, ler e compartilhar estas informações.
O presidente da Funai, na sua estreiteza interpretativa, parece justificar todas as suas ‘preferências’ sob o chavão, muito usado por fundamentalistas religiosos de matriz judaico-cristã, segundo o qual “a divisão de classes, destruição da família, destruição da propriedade isso pode ser interessante em países comunistas. Aqui nós vivemos um mundo capitalista, tá”. A frase de efeito, ainda mais com a ênfase dada pelo ‘tá’, ao final, rendeu uma salva de palmas entusiasmada dos ruralistas ao presidente da Funai, óbvio.
O delegado ruralista esqueceu, no entanto, que no Brasil a Constituição Federal é soberana, que esta Constituição garante aos povos o direito às suas terras originárias (Art 231), que estas terras são bens da União (Art 20) e que ele, como cidadão e gestor público, está submetido a esta Constituição. Parece ter esquecido ainda que, como presidente da Funai, gestor da coisa pública, cujo salário é pago com recursos públicos da União, ele tem o dever de defender os direitos dos povos indígenas e também os interesses da União. Parece ter esquecido também que não é direito seu fazer uso da função pública que exerce para abrir mão de bens da União em favor de interesses privados. Parece ter esquecido, por fim, que esse tipo de atitude pode caracterizar a prática do crime de ‘improbidade administrativa’ ao gestor público.
É de grande importância aos interesses do Estado brasileiro e aos direitos dos povos originários, que o Ministério Público Federal (MPF) e cada um de nós possamos ajudar o presidente da Funai a lembrar de suas responsabilidades institucionais e constitucionais para que o órgão indigenista deixe de ser instrumentalizado como sucursal do ruralismo no Brasil.