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Vai com Deus Mano Velho...
  Data/Hora: 21.mar.2021 - 8h 8 - Colunista: João Maria  
 
 
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Descanse em paz meu irmão. Nosso corpo nada mais é do que um invólucro para a morada da própria VIDA, A NOSSA ALMA. Nascemos e renascemos tantas e quantas vezes forem necessários até encontrarmos o definitivo Caminho da Luz. Um grande abraço a todos os familiares - tristeza, só por um dia ou dois, depois o que deve ficar é uma doce saudade. 

 

Perdi ontem (20), o meu irmão mais velho, Luiz Antônio Teixeira da Silva, 69 anos, que há mais de 30 estava residindo em Cláudia no Mato Grosso. Natural de São Miguel do Iguaçu, funcionário público aposentado, deixa três filhos, netos e a mãe de seus filhos com a qual estava separado atualmente.

 

Uma figura. Com relação ao período em que viveu em nossa cidade, pelo menos três casos, estão nítidos em minha memória - os quais evidencia o perigo que se tem nesse país em ser pobre e de pele escura e demonstrar que tem um QI mais elevado.

 

Se for jogador de futebol com potencial, ou um músico talentoso que, é claro, não se rebele contra o “sistema vigente” – que vigia e não deixa que supostos intrusos busquem uma ascensão social através da política, principalmente, – tudo bem. Caso contrário, o esquema funciona e, acreditem, é bruto e está institucionalizado desde que Cabral aportou por aqui. 

 

Sempre que vinha do Mato Grosso, visitar os seus pais – sua rotina diária era procurar organizar as coisas ao redor da casa, como a horta, arrumar o galinheiro onde a dona Ester criava suas galinhas e sempre tinha fartura de ovos (ômega 6). O seu Joaquim, as vezes passava anos sem fazer a barba e até mesmo cortar o cabelo. E uma das suas primeiras atividades no sítio era fazer a barba do seu Pai, cortar o cabelo e deixa-lo com a cara de anos mais novo.

 

Isso eu aprendi no Grupo que frequento a anos diariamente – o AAA, me dizia ele. Falante, chegava a ser chato quando se referia ao trabalho que fazia diariamente junto ao grupo dos Alcoólatras Anônimos na cidade de Cláudia.

 

Segundo ele, sempre dizia aos novos irmãos que estavam entrando no grupo: “esse depoimento de vocês tem um valor inestimável, pois ele nos ensina a nunca ser o que vocês são atualmente. Obrigado por terem vindo e vamos começar junto uma nova vida daqui pra frente”. Era chato por que na sequência, ele já citava exemplos e mais exemplos de pessoas que tinham se regenerado e deixado de lado a maldita da cachaça e reconstruído um novo lar.

 

Um certo dia, ele quis saber como é que eu estava tão bem fisicamente e nunca mudava – parecia sempre o mesmo. Eu disse a ele que nunca tinha deixado de jogar bola e praticamente todos os dias buscava fazer uma atividade física e a mais recomendada, no caso dele, seria o atletismo – o qual deveria começar caminhando.

 

Não deu outra – anos depois, lá estava ele fazendo “maratonas” e participando de todas as corridas da sua região, influenciando outras pessoas e deixando pelo caminho uma bela lição. Numa outra visita, ele me questionou novamente – como é que eu escrevia tão bem. Mostrei a ele a prateleira cheia de livros, entre eles a coleção completa de Monteiro Lobado e praticamente todos os livros escritos pelo Dalai Lama.

 

Ele se encantou pelos livros do Dalai Lama e insistiu tanto que não pensei duas vezes – peguei todos e dei a ele dizendo que poderia levar. “Opa, que legal – mas diga aí quanto que você pagou por eles que eu faço questão de pagar”. Não me lembro quanto, ele terminou deixando em cima da escrivaninha do escritório o equivalente que dava para repor a coleção toda de novo várias vezes.

 

Nesse dia, eu lhe questionei se não pensava em voltar para São Miguel do Iguaçu, assim que se aposentasse para ficar ao lado dos seus pais. “Acho muito difícil, por que já estou há muitos anos lá em Cláudia onde está a minha Família. E sempre que venho à São Miguel do Iguaçu, pelo menos duas coisas mechem com o meu inconsciente e até hoje não consigo entender”.

 

Como eu sabia do que se tratava, não seguia a frente com o papo, até mesmo para que não sofresse novamente pelo que tinha passado. Um dos casos, deu-se nos primeiros anos de escola. Ele era visto com um dos melhores alunos da turma, ainda no tempo em que a prova final para passar para o próximo ano, era feito numa folha de papel almaço, onde o Professor trazia a prova pronta feita no mimeógrafo.

 

Era uma folha dupla, com duas faces. Assim que pegou a prova na mão, estudioso como era – em questão de minutos, a entregou de novo ao Diretor da Escola. Ele acertou em 100% as perguntas que respondeu nas duas faces. Mas tinha levado o azar de ter pego uma prova onde o papel, talvez, devido a umidade, estava praticamente colado no meio. Quando viu que os demais companheiros de classe estavam demorando para entregar a prova, deu uma espiada e notou que muitos estavam com a prova aberta e que algo estava errado.

 

Voltou até o Diretor e comentou que não tinha respondido as questões do meio. E por mais que insistisse, o Diretor Professor, não quis saber em deixa-lo concluir a prova. Moral da história, rodou de ano. Aquilo o abalou tanto nos próximos meses, que a impressão era de que iria entrar em depressão profunda.

 

Outro fato que mudou a sua vida e o deixou desnorteado e infinitamente magoado, ocorreu na Rua Floresta, onde na época, morava numa espécie de República com várias outras pessoas que trabalhavam na Oficina Mecânia do seu Oclides, ao lado de uma Lojinha de Roupas. Num final de semana, a Loja foi assaltada, dois dias depois dele ter se desentendido com o dono da Loja devido ao barulho. Ele gostava de tocar violão e cantar e isso havia desagradado o vizinho ao lado.

 

Moral da história, quando eu fiquei sabendo da história, o Mano Velho já tinha sido prezo e levado para Foz do Iguaçu, sem nenhuma prova contra ele – apenas o depoimento de suspeita do dono do estabelecimento. Até corrermos atrás de prova que pudessem mostrar que ele era inocente – ele acabou ficando uma semana lá em Foz. No dia que fui busca-lo. Ele estava paralisado, com os olhos fixos na linha do horizonte, não falava e completamente indignado. Foram meses e meses até que pudesse sair desse trauma.

 

Luiz Antônio, segundo seus familiares, estava internado há vários meses – inicialmente para fazer um tratamento de saúde – pois se encontrava depressivo, estava saindo de um processo de separação, onde ele não aceitava o fim do relacionamento. No hospital, segundo se comenta, acabou contraindo a COVID. Depois de meses, conseguiu melhorar e voltar para casa.

 

E nessas idas e vindas, segundo os médicos precisava fazer uma cirurgia com urgência no estômago. Essa cirurgia, segundo informações, teria que ser feita em Cuiabá, e ele estava na fila há mais de um mês aguardando vaga e por conta desta PANDEMIA, não conseguiu realiza-la.

 

Descanse em paz meu irmão. Nosso corpo nada mais é do que um invólucro para a morada da própria VIDA, A NOSSA ALMA. Nascemos e renascemos tantas e quantas vezes forem necessários até encontrarmos o definitivo Caminho da Luz. Um grande abraço a todos os familiares - tristeza, só por um dia ou dois, depois o que deve ficar é uma doce saudade. 

 
 

 

 

 
 
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