João Maria Teixeira da Silva - Em busca de informação para concluir o seu trabalho de história (2), os jovens Paulo Eduardo Garcia e Felipe De Bastiani, estiveram visitando a nossa redação esta semana. Ambos são alunos do 2º ano do Curso Técnico de Química do UTFPR de Medianeira, antigo CEFET. Não esteve presente, mas segundo Eduardo, ainda faz parte da sua equipe neste trabalho, a jovem Eliziane Batista.
Munidos de uma pequena Câmara Fotográfica e muitas idéias na cabeça, o que eles queriam era uma entrevista, que segundo eles fará parte de um documentário sobre a História do nosso Município (vídeo), que será apresentado para os demais alunos da sua escola, valendo nota para o semestre.
Infelizmente, não me pegaram num dia muito inspirado, mesmo assim, acredito que consegui contribuir com alguma coisa – mas, o que me impressionou mesmo, foi à qualidade e a profundidade das perguntas. Por se tratar de um trabalho de Escola em que eles ainda vão apresentar, assumi o compromisso com o Eduardo de só tornar público as respostas na íntegra, depois que ele e os seus colegas editarem o vídeo e apresentarem o mesmo aos seus professores.
Estou fazendo essa matéria para registrar a presença dos mesmos e tomei a liberdade de transcrever as perguntas que me foram feitas, e tenho certeza que irão concordar comigo: Eles estão de parabéns e tratando-se de alunos do segundo ano de um curso técnico, o nível é muito bom! Confira:
– Pode-se dizer que o povo do nosso município conhece o passado do mesmo? Esse passado é valorizado? (...)
– De toda a nossa história, o que representou o maior avanço? E o maior retrocesso? (...)
– A história é algo vivo. Está ao nosso redor. Falar do passado é, em essência humana, falar das pessoas. O que mudou, pelo Tempo, na vida delas em São Miguel do Iguaçu? (...)
– Comente sobre a nossa emancipação. Mais: E o desmembramento de Itaipulândia. Impressão nossa ou o Projeto Memória não fala muito sobre isso? Seria uma pontinha de orgulho? (...)
– São Miguel do Iguaçu é só mais uma cidade perdida no Universo ou o esforço dos pioneiros valeu a pena?
- Pode-se dizer que os primórdios, a colonização, foi uma espécie de Socialismo? Quer dizer, as pessoas se ajudavam, as pessoas elaboravam juntas, por puro instinto e bondade as regras deste sistema sem perceberem?
(...) nessa pergunta, levando em consideração a linha de raciocínio do professor Antônio Cândido de que: “socialismo são todas as tendências em que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado...”, tive que discordar do termo.
Expliquei que no início, até por necessidade, pode ter havido essa cooperação mútua. “Mas, se voltarmos ao tempo, na época da colonização, das plantações de hortelã após a derrubada da mata, nos anos 70, o nosso município tinha 68 mil habitantes. E para onde foi esse povo? Quem ficou com as terras e as suas riquezas? Ou seja, pode ter havido tudo, menos socialismo”.
– Se o Socialismo existiu, pode-se dizer que as coisas mudaram para o Capitalismo? A cooperação acabou junto com a cidade minúscula? (...)
– Falar que São Miguel do Iguaçu cresceu assustadoramente desde sua colonização é hipérbole? Quer dizer, São Miguel alcançou significativo desenvolvimento em seu processo de existência?
(...) Levando-se em conta o nosso potencial econômico, o nosso potencial agrícola como produtores de grão, produção de aves, suínos e uma forte bacia leiteira, podemos dizer que esse crescimento não é força de expressão, é real... Mas, por outro lado, com relação a perda de material humano... (...)
– O senhor, como profissional da imprensa, observador das mudanças, julgaria nosso município como algo estagnado ou em extremo movimento?
Como responder a isso? Confesso que tive lá minhas dúvidas e se não fosse pelo período eleitoral, teria “soltado os cachorros” (como se diz na gíria), já nessa primeira pergunta, mas me contive.
– O que representa a imprensa nessa cidade? Ela tem papel ativo?
(...) sem mencionar (nessa entrevistas) nenhum dos fatos históricos, no qual a nossa redação teve voz e força para mobilizar e ajudar a recolocar a própria história em cima dos trilhos, como por exemplo, a luta vitoriosa que encampamos contra a construção da Praça do Pedágio na Cacic, que iria dividir o nosso município ao meio;
(...) ou a nossa luta por democracia e a homenagem que fizemos ao presidente João Figueiredo no Hotel Bourbon em Foz do Iguaçu, onde ele, com lágrimas nos olhos me agradeceu com um forte abraço e um convite: “Meu chara, me visite. Faça questão de recebê-lo em meu Gabinete”. Aliás, esse fato é histórico, porque foi algo que aconteceu meio que de improviso.
Explico: Isso foi no dia 05 de novembro de 1982, dia em que a Usina de Itaipu foi inaugurada. Na época, eu era aluno e colaborador do Colégio Cenecista Nadyr Maggi – CNEC, e um dia antes, no dia 04 de novembro, por volta das quatro horas da tarde eu visitei o Colégio e falei conversei com o Diretor, professor Orlando Gomes da Silva:
Com a maior cara de pau, eu disse a ele: Orlando (eu tinha essa intimidade porque não era só aluno, era também amigo e colaborador da escola), amanhã o presidente João Figueiredo vai inaugurar em Foz do Iguaçu, a maior Hidrelétrica do Mundo. E como ele prometeu eleições diretas para Governador, mesmo contra a grande maioria dos generais, eu vou lá dar-lhe um abraço e agradecer por essa efetiva contribuição a democracia.
A reação do professor foi de total espanto. Você tem convite para o Cerimonial, me perguntou ele. Não! Não tenho convite professor, mesmo assim, irei lá amanhã, não na inauguração da Hidrelétrica, mas sim, durante a sua passagem pelo Hotel Bourbon, onde estará hospedado.
- Você está ficando louco? Você já imaginou quantos milicos vão estar por lá fazendo a segurança do presidente? Questionou-me o professor. E eu insisti com ele: Quanto a isso não haverá problema, “pois a arte além de ser uma forte expressão humana, é também um meio de integração entre os povos, ela abre caminho, cria espaço...”, foi o que eu mais ou menos disse a ele.
E continuei: O que eu preciso na verdade é de uma carona professor, ou seja, quero que o senhor me leve com o seu carro. Estou a pé e sem dinheiro nem para a passagem do ônibus. E mesmo porque, não irá pegar bem eu chegar lá de ônibus. Naquilo, chegou ao nosso lado o Administrador da Escola, Everton Garcia, de saudosa memória.
O Orlando falou com o Everton rapidamente meio que reservado, e pelo o que eu pude entender ele disse a ele que eu estava precisando de internamento. Foi quando eu disse a eles: “Vocês não estão entendendo nada, mas esperem um pouquinho que eu vou até em casa (que ficava a meia quadra da escola) buscar para mostrar para vocês o que eu vou entregar ao presidente”.
Em menos de cinco minutos, lá estava eu de volta com um quadro de 30x60, feito a bico de pena, com uma mensagem ao centro. Quando eles viram aquilo, o espanto foi geral e o Orlando perguntou: “Você tem um terno para colocar? Que horas você pretende ir...” E confesso: Naquelas alturas, eu estava morrendo de rir por dentro... E no outro dia, por volta das nove horas, lá estávamos nós na porta do Hotel, cercado de milico e de generais...
Eu na frente, o Diretor e o Administrador atrás. Com o quadro na mão, me dirigi ao comandante da tropa, responsável pela segurança do presidente e fui dizendo a ele com a maior autoridade: “Eu quero entregar esse quadro ao Presidente!”.
O quadro foi saltando de mãos em mãos e nós atrás dele no meio de um corredor de milico. Em questão de minutos eu estava numa sala redonda dentro do hotel de frente com o Presidente. Ao seu lado, Ney Amintas de Barros Braga, governador do Estado e o general Costa Cavalcanti, presidente da Itaipu e mais umas vinte ou trinta pessoas ao seu redor.
Disse a ele porque estava lhe entregando aquele trabalho e com lágrimas nos olhos ele me disse: “Meu chara, me visite. Faço questão de recebê-lo no meu Gabinete”.
O Governador Ney Braga, me abraçou, me perguntou o que é que eu fazia e onde trabalhava e eu disse a ele, que estava desempregado no momento e para preencher o tempo, trabalhava como voluntário no Colégio de minha cidade.
“Olha, eu vou te dar o que tenho aqui comigo, não estou te pagando, mas te ajudando”. Enfiou a mão no bolso e em seguida colocou no bolso do meu paletó, acrescentando: “Não é muito, mas isso é para poder se deslocar e comparecer segunda-feira em Furnas. Você não está mais desempregado. Veja com o pessoal o que você pode fazer lá, sem que seja preciso interromper os teus estudos...” Me entregou um cartãozinho seu, deu meia volta e se juntou novamente a caravana do presidente.
Na volta para casa, eu parecia o mesmo, como se nada tivesse acontecido. Se não fosse o Everton, me perguntar sobre a quantia que o Governador tinha me dado..., eu já tinha esquecido. E para satisfazer a curiosidade deles, enfiei a mão no bolso, retirei e contamos... Era o equivalente a dois salários mínimos na época...
Quis pagar a gasolina para o Orlando, e ele se recusou a receber... “Você não tem noção das portas que você acaba de abrir”, me disse ele. Cheguei em casa, minha esposa estava curiosa, para saber o que tinha acontecido... E foi aí que eu vi a importância daquela grana...
Na segunda-feira, o Evergon e o Orlando, batendo na minha porta: E daí..., já está pronto para irmos até Furnas? O professor Orlando ainda está vivo e aposentado, se não me falha a memória em Novo Hamburgo – RS., e pode confirmar esta história, mas com a maior cara de pau, eu disse a eles:
“Me desculpe Orlando, você sabe o quanto eu tenho lutado por democracia..., se eu for até lá hoje, eu vou estar resolvendo o meu problema de emprego, o meu problema financeiro – mas, e o resto e a democracia de fato e de direito... Pegando esse emprego, ganhando bem, não vou ser apenas mais um alienado?”
Dias depois, recebi uma linda sesta de Natal com um bilhetinho: O que houve João, você ainda não compareceu em Furnas? O que houve...? Em resumo, uma das histórias é essa. Mas tem mais...,
O que me inspirou a recontar esta história foi à beleza e a pureza das perguntas desses jovens estudantes...
Estão curiosos para verem as respostas: Falem com o Eduardo. Onde encontrá-lo? Na sede da AABB de São Miguel do Iguaçu.