Pois hoje declaro outro crença fundamental do diário: a transparência, aliada à liberdade de expressão. Não há ninguém que simboliza melhor isso que o australiano Julian Assange, 41 anos, fundador do Wikileaks.
Assange combate o bom combate com seu jornalismo inovador e transformador. As revelações do Wikileaks mostraram ao mundo, espetacularmente, a natureza cuidadosamente escondida das guerras que os Estados Unidos vêm travando no Oriente Médio.
A imagem da garotinha vietnamita correndo nua depois de ter sido alcançada e queimada pelo napalm americano foi o retrato definitivo da Guerra do Vietnã, nos anos 60. O vídeo em que civis são mortos em Bagdá por soldados americanos em helicópteros Apache – publicado pelo Wikileaks – passará para a história como o retrato definitivo da Guerra do Iraque, no início dos anos 2 000.
Assange precipitou a Primavera Árabe quando o Wikileaks expôs detalhes da corrupção abjeta de ditadores encastelados fazia décadas no poder em países como a Tunísia e o Egito. O Wikileaks fez mais pelo jornalismo investigativo, em seus poucos anos de existência, que todas as marcas tradicionais – do NY Times ao Washington Post – em décadas.
A recompensa para Assange tem sido, paradoxalmente, o tormento, na forma de uma perseguição sem tréguas.
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DENÚNCIAS SEXUAIS
O pretexto – não existe palavra melhor – foram denúncias sexuais de duas mulheres suecas que dormiram, por vontade própria, com ele. Uma soube da outra, e o que seria um caso banal de ciúme acabou se transformando num pesadelo jurídico para Assange, por força da absurda legislação sueca. Um homem pode ser acusado de estupro na Suécia se, por insistência, convencer uma mulher a dormir com ele. Ou se a camisinha se romper. Ou se, no meio da madrugada, apalpar a mulher com quem ele fez sexo algumas horas antes. Parece mentira, mas é verdade.
Assange já estava fora da Suécia – em Londres — quando as duas mulheres foram à justiça. Mulherengo ele pode ser, mas bobo não: Assange logo percebeu o risco enorme de ser extraditado da Suécia para os Estados Unidos. Lá, o aguardaria uma lei reservada a espiões, a mesma utilizada para matar o casal Rosenberg na Guerra Fria, sob a alegação de que passavam informações para os russos.
Os suecos pediram sua extradição, e enquanto a justiça britânica decidia ele ficou em prisão domiciliar, na casa de campo de um simpatizante. Quando ele achou que o risco de ir para a Suécia, e de lá para os Estados Unidos, era grande, se refugiou na embaixada do Equador em Londres. O presidente do Equador, Rafael Correa, é um admirador de Assange e tem muitas restrições à conhecida política americana na América Latina, tratada por décadas como um quintal.
Isso faz quarenta dias. Agora as coisas se precipitaram. No momento em que o governo do Equador se preparava para anunciar o pedido de asilo, o governo britânico reagiu. Ao velho modo: longe dos holofotes. Avisou que, mediante uma legislação que virtualmente ninguém conhecia, poderia prender Assange em plena embaixada equatoriana.
A resposta do Equador foi desconcertante: publicou uma carta que o governo britânico definitivamente não gostaria de ver sob os olhos do mundo. Fez um trabalho de vazamento ao estilo do Wikileaks. “Não somos uma colônia britânica”, afirmou o governo no Equador, num gesto de bravura épica.
O Diário acredita na transparência e na livre expressão. E saúda Assange por sua cruzada inspiradora pelo bem da humanidade – ao mesmo tempo que torce intensamente para que ele possa, em Quito ou onde for, retomar o trabalho que só faz mal a quem faz muito mal.