Milton Corrêa da Costa
Por mais que as autoridades de São Paulo tenham relutado em aceitar a cooperação do governo federal para conter o preocupante quadro de violência, como deixou bem claro recentemente o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, já não se pode negar que a violência contínua e ousada em São Paulo, com uma série de ataques e execuções em vias públicas, retrata um contexto de gravíssimo comprometimento da ordem pública, num autêntico cenário de um "Novo México". O plano de ação conjunta, anunciado ontem (01/10), num entendimento entre a presidente Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin, sem que inclua, como urgente medida de impacto, o emprego das Forças Armadas, talvez já não consiga frear a violência na Grande São Paulo, que vive hoje sob o cenário do medo, do terror e da rotina de execuções. Não adianta mais tapar o sol com a peneira. É preciso encarar a incômoda realidade.
Entre o final da noite desta quinta-feira e a manhã de hoje (02/12), para atualizar a rotina do noticiário da violência, dez pessoas foram mortas em São Paulo e mais um policial militar, por motoqueiros, em São Bernardo do Campo, além de um policial civil, ferido a tiros pelas costas também por motoqueiros (nada levaram da vítima). Na madrugada de ontem, mais dois policiais militares, de folga, tinham sido executados e os corpos encontrados numa favela. Já chegam a 89 policiais militares, sendo 73 do serviço ativo e 16 inativos, além de 18 agentes penitenciários, os agentes do estado mortos este ano, boa parte na proximidade de suas residências. Outros 140 PMs sofreram tentativas de assassinato o Estado. Na quarta-feira (31/10), na Favela de Paraisópolis, ocupada por 546 PMs desde segunda-feira, foi encontrada uma lista com 40 nomes, dos quais dez seriam policias marcados para morrer. A rotina dos policias estava descrita na macabra lista. Na terça-feira, criminosos colocaram dinamite na casa de um policial na Vila Curuçá. na Zona Leste de São Paulo. O artefato, que acabou desativado num campo de futebol, se fosse detonado, poderia atingir e matar pessoas num raio de dez metros.
Numa reunião comunitária, realizada recentemente, há relatos de "toques de recolher" em diferentes regiões da Grande São Paulo e a Baixada Santista também seria alvo da violência, relatam os representantes de movimentos sociais, conforme noticiado na imprensa em encontro acompanhado por jornalistas. Ademais, o terror não seria exclusividade da maior facção criminosa de São Paulo. Grupos de extermínio e milícias integradas por policiais militares, em disputa por pontos de tráfico com a citada facção e do controle da propina de caça-níqueis (relato de um agente público marcado para morrer), também estariam por trás da onda de violência que assusta São Paulo. Recentes matérias televisivas mostraram também, através gravações telefônicas interceptadas, conforme investigações da polícia, a ousada trama de integrantes de uma facção criminosa que ali predomina para matar PMs naquele Estado. Num caso mais recente, um traficante, preso com certa quantidade drogas, e que se fazia passar por dono de um bar, anunciava, a uma interlocutora, em linguagem dissimulada, a data dos atentados a policiais militares.
O governador Geraldo Alckmin declarou que muitos criminosos, envolvidos nos ataques a PMs neste ano, já foram identificados e a Secretaria de Segurança Pública informou que 130 foram presos, além de18 mortos em confronto com a polícia paulista. “É uma ação intimidatória por parte do crime organizado. O Estado não vai retroceder um milímetro. A polícia está trabalhando permanentemente, e é polícia nas ruas e criminosos na cadeia”, disse o governador.No entanto, na cidade de São Paulo, foi registrada uma alta nos homicídios de 27% em setembro, em relação a agosto. Os latrocínios ( roubo seguido de morte) cresceram 225%, na comparação do mesmo período. O número de civis mortos desde de o dia 19 de outubro, já chega a 79, executados em ações de criminosos ou em confronto com a polícia. O que é isso senão um cenário de um "Novo México?"
A grande questão - talvez não se possa mais fugir de tal realidade- caso prossigam os atentados, numa incômoda e grave ameaça à ordem pública e à ordem institucional, é que medida de força e impacto, na necessária restauração da lei e da ordem, com emprego das Forças Armadas, terá que ser tomada, antes que tais ataques se alastrem, virem rotina, desacreditem as autoridades e gerem generalizada sensação de insegurança e de temor ao crime. O que chama a atenção em São Paulo é a sequência, quase que ininterrupta, dos atos de violência e ousadia. As medidas a serem tomadas no plano de ação conjunta, como transferência de chefes do tráfico para penitenciárias federais, participação da Polícia Federal em cooperação na área de inteligência e talvez até mesmo a possibilidade de envio da Força Nacional de Segurança à São Paulo, já não garantiriam, com plena certeza, a restauração da ordem pública que se almeja imediata. A febre da violência em São Paulo é muito alta e permanente e medida de impacto, no freio da ousadia do banditismo, será inevitável.
Todo estado-membro tem limites de sua capacidade de ação de polícia. A exemplo do que ocorreu no Rio, em novembro de 2010, contra ações de sabotagem e vandalismo perpetradas por traficantes, resultando em “toque de recolher' da população, o governador Geraldo Alckmin, precisará solicitar o apoio das Forças Armadas.
O Artigo 15 da Lei Complementar 97/99, em seu parágrafo segundo, estabelece inclusive a forma pela qual as FFAA são empregadas na garantia da lei e da ordem:
§ 2º A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.
§ 3o (com o acréscimo da Lei Complementar 117/04)
Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou ESTADUAL como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.
Não se trata de nenhuma medida de fraqueza do governo estadual diante de um governo federal de oposição, convindo lembrar que a defesa da vida é apartidária. O governador Sérgio Cabral agiu, sem constrangimentos, de forma urgente e absolutamente necessária, com base na legislação específica em vigor aqui descrita, em novembro de 2010, solicitando o apoio ao governo federal. Até hoje as FFAA, numa ação cooperativa, são usadas, em apoio às forças de segurança do Estado, na tomada de comunidades oprimidas pelo tráfico. No Complexo do Alemão, uma fração de tropa do Exército ali permaneceu instalada, numa ação de integração, em patrulhamento, por mais de um ano, em apoio ao governo estadual, até que UPPs fossem ali implantadas definitivamente.
O caso de São Paulo requer, portanto, análise real de cenário e contexto e medidas imediatas de restauração da ordem pública e de sensação de segurança, com o apoio de tropas federais. São Paulo precisa encontrar, como no Rio, o seu remédio policial para um quadro de violência atípico e extremo. Sem um potente analgésico (Forças Armadas já) talvez não consiga baixar momentaneamente a febre da violência e tratar posteriormente a enfermidade.Todo estado-membro tem limites de capacidade operativa policial e as Forças Armadas, além da defesa da pátria e de garantia dos poderes constituídos, têm missão constitucional de garantia da lei e da ordem (vide Artigo 142 da Constituição Federal).
Policias e cidadãos em São Paulo, estão sob grave ameaça de vida e medida eficaz, de inteligência e de impacto, em nome da paz social, terá que ser tomada. O patrulhamento das vias públicas por forças federais, em conjunto com a pólicia estadual e a Força Nacional de Segurança, parece inevitável. Enquanto isso que a área de inteligência identifique os grupos criminosos, de policiais ou não, e os prenda em nome da lei. A ordem pública precisa ser urgentemente restaurada em São Paulo. É dever do estado de direito.
*Milton Corrêa da Costa é tenente coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro e estudioso em violência urbana