Fonte: Senado da República - Veja na íntegra o depoimento do Senador Cristovam Buarque sobre recente pesquisa sobre a qualidade da educação no Brasil...
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente Paulo Paim, hoje, na hora do almoço, num programa da Rede Globo, o Jornal Hoje, surgiu uma matéria que foi feita pela Cecília Malan, correspondente em Londres, e que me encheu de vergonha. E a vergonha aumenta, porque não sinto a vergonha do brasileiro e, sobretudo, dos líderes deste País diante daquela matéria.
A matéria fala de uma pesquisa feita na Inglaterra sobre o estado da educação em 40 países, e o Brasil está em 39o lugar. O Brasil está em 39o lugar entre 40 países! E isso não desperta no Brasil uma indignação, isso não desperta um sentimento profundo de vergonha, especialmente em nós, Senadores, Deputados, Governadores, Prefeitos, Presidente da República. Eu me pergunto se nós não temos vergonha, se nós não temos vergonha na cara de sermos a sexta economia do mundo e a última, entre 40 países, no que se refere à educação.
Deixamos isso passar em branco. Eu faço este discurso, e, amanhã, nada acontece. A impressão que me está passando é a de que está faltando vergonha na cara da gente. Mas, além de faltar vergonha, Senador Paim, sobra burrice, porque é suicídio um País que tem um potencial como o nosso, que tem a responsabilidade que nós adquirimos graças aos últimos governos e muito graças ao Presidente Lula, que tem presença no mundo, ser o 39o entre 40 países, ao lado da Turquia, da Tailândia, do México. E ninguém faz nada. O que se está fazendo por aí fica muito pertinho do nada. Isso é burrice e é falta de vergonha!
Nós vimos, nesse Jornal, não apenas essa situação, como também a explicação que essa pesquisa deu. A explicação está na qualidade dos professores e no desempenho do ensino fundamental e do ensino médio, especialmente nas áreas de Matemática, de Português e de Ciências.
Há anos que todos sabemos da situação vergonhosa da educação brasileira, e não estamos tomando as medidas para fazer a revolução que o Brasil precisa. Estamos fazendo pequenos ajustes, pequenos ajustes que não compensam o aumento das exigências que o mundo de hoje põe na educação. E nós não reagimos, e nós ouvimos isso e não ligamos!
Já pensaram se o Brasil for o penúltimo na Copa do Mundo, no futebol? Já pensaram no que vai acontecer com o técnico da seleção de futebol, se o Brasil ficar, não digo nem em penúltimo, mas em segundo lugar, na Copa do Mundo que será realizada no Brasil? Tenho certeza de que haverá uma indignação e uma vergonha muito grande, mas somos o penúltimo em educação, e não há vergonha na cara da gente. E não há a percepção da burrice que estamos fazendo, porque não tem futuro um País que não põe todas as crianças em escolas boas e de qualidade igual até o fim do ensino médio. Mas o que aumenta a vergonha é saber que isso é possível de ser resolvido.
Se dissesse que o Brasil é o penúltimo lugar na corrida espacial para chegar à lua, não precisávamos ficar envergonhados, porque não teremos esse recurso em muito tempo, mas, para ter bons professores, dedicados, com resultados, temos os recursos.
Todos sabem que, para haver bons professores, a primeira coisa é atrair os melhores quadros da sociedade para o magistério. E todos sabem que, numa sociedade capitalista, a melhor maneira, ou a única, de atrair bons quadros para uma atividade é pagar bem nessa categoria. Esse era o primeiro passo. Mas o segundo passo é pagar bem a quem é preparado. Aumentar o salário com professores despreparados não melhora a educação. E o outro passo: dedicados. Pagar bem aos professores despreparados não muda a educação. Pagar bem aos professores preparados, mas não dedicados, não muda a educação. O professor é feito de cabeça, coração e bolso: cabeça bem-formada, coração bem-dedicado e o bolso bem remunerado. O Brasil tem condições disso.
Entreguei, faz um ano e meio, à Presidenta Dilma, uma proposta muito clara.
Aliás, eu quero dizer que, em 2005, apresentei isso ao Presidente Lula, quando vi uma foto dele perto de Caruaru, em Pernambuco, ao lado de crianças muito pobres. Eu deixei passar uns dias, peguei um avião, fui àquele lugar, Senador Paim, e falei com cada uma daquelas crianças. E mandei para o Presidente Lula uma carta em que eu dizia: “Presidente, essas crianças têm nome. O nome desta é tal, o nome desta é tal, o nome deste é tal, a idade é tal. Veja aqui a escola onde eles estudam”. Peguei a foto da escola e disse: “Presidente, só faz dois anos que o senhor está no Governo. O senhor não é culpado, mas, daqui a oito anos, o senhor é o culpado”.
Temos dez, Senador Paim, deste Governo, e eu faço parte até da base e apoio. Nós somos culpados, até porque, Senador, eu fui olhar agora onde estão aquelas crianças. Só uma não abandonou a escola. E essa uma, aos quinze anos, está grávida. Nós somos os culpados.
O primeiro passo é o professor. Atrair bons professores, mas preparados, dedicados e bem remunerados. A outra coisa é ter escolas boas.
Não adianta o professor bom em um prédio com goteiras; cadeiras em que as crianças não consigam ficar sentadas, ou porque quebram, ou porque são desconfortáveis, mas escolas onde o professor tenha a possibilidade de usar os melhores recursos. Porque não adianta querer fazer uma criança hoje assistir a uma aula de geografia, desenhando no quadro-negro o Himalaia. Hoje, o “quadro-negro”, entre aspas, é a chamada lousa inteligente. Se você vai dar aula de geografia, você mostra o fenômeno geográfico. Se você vai dar uma aula dizendo que a terra gira ao redor do sol, mostrando um pontinho de giz como o sol, um pontinho de giz como a terra, e uma roda dizendo que é a órbita, não há criança que goste! As crianças estão acostumadas a ver isso colorido, em movimento. Elas estão acostumadas a ver isso de forma animada.
Dizem que as crianças brasileiras são violentas. Violenta é a escola que maltrata as crianças, que as coloca em cadeiras ruins, teto furado e quadro-negro, em vez da lousa inteligente, do computador, da televisão.
Basta haver boas escolas, basta haver bons professores, e esse 39º lugar pode virar, não vou dizer o 1º, porque a Coreia, que era um país na situação brasileira; a Finlândia, que não era muito diferente, esses países já fizeram o exercício deles, junto com Hong Kong, Japão e Cingapura. E a gente não vai chegar lá, não vai chegar lá! Mas a gente pode chegar perto. Isso pode ser feito. Agora, não se faz de um dia para o outro. Mas tem que começar de um dia para o outro, mesmo que o processo da revolução demore algum tempo. Todas as minhas contas são de que nós poderíamos fazer isso, em dois anos, em cidades escolhidas. E, naquela cidade, todas as escolas vão ser como uma nova carreira de professor, a carreira federal. Todas as escolas serão edificações federais, equipadas com recursos federais, em horário integral. Em dois anos, a gente faz numa cidade; em dois anos, faz-se em 200, 300 cidades; em 20 anos, a gente faz no Brasil inteiro. Mas tem que começar logo.
Eu não vejo a menor vontade de se fazer isso no Brasil. Continua-se comemorando pequenos passos que pouco levam adiante. Há 50 anos, a gente vem dando pequenos passos. Há 20 anos, a gente vem dando pequenos passos, e continua achando...
Eu era reitor da Universidade, em 1987, quando a Unicef fez aqui um pacto pela educação. Agora, na semana passada, o Ministro Mercadante fez outro pacto pela alfabetização de crianças. Vinte e cinco anos depois, Senador Paim! Vinte e cinco anos depois! Uma coisa que a gente já identificou vinte anos antes e que dava para ter feito em pouco tempo! Não há vontade.
Eu lamento dizer, mas bons Presidentes como Fernando Henrique, como Lula e como Dilma não fizeram o dever de casa na educação. E eu não vejo a Presidenta querendo fazer esse dever de casa nos próximos dois anos. A preocupação dela é com a indústria automobilística, é com o trem-bala, é com a hidrelétrica de Belo Monte. Não é com a educação de base. Até diria que o Presidente Lula e o Fernando Henrique aumentaram muito o número de vagas nas universidades. Claro que hoje nós temos uma coisa positiva: os jovens começam a querer entrar na universidade, mas estão entrando despreparados, Senador Paim. Estamos fracassando pela qualidade. Esgotamos o número de jovens que vão entrar na universidade, porque hoje há mais vagas para entrar na universidade do que crianças e jovens terminando o ensino médio.
Chegou ao limite. E mesmo os que estão dentro não estão conseguindo acompanhar. Trinta e quatro por cento, segundo uma pesquisa, dos jovens na universidade não sabem escrever. Obviamente, sabem escrever uma palavra, duas, uma frase, mas não sabem escrever um texto que as pessoas leiam e entendam, não são capazes de fazer uma boa redação. E a gente continua sofrendo a situação de penúltimos entre 40 países, sextos em economia.
Eu não quis deixar passar o dia de hoje, Senador Paim – e agradeço muito a sua presença aqui –, sem vir manifestar a vergonha que eu sinto como brasileiro, a vergonha que eu sinto como Senador e a vergonha que eu sinto porque os outros não estão sentindo vergonha. E talvez esta seja a maior das minhas vergonhas: saber que os outros não estão sentindo vergonha pela tragédia que estamos construindo ao deixarmos de lado a educação das nossas crianças em escolas boas, de qualidade e iguais para todos. O sonho brasileiro não deveria ser de mais automóveis, o sonho brasileiro deveria ser o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão, o filho do mais pobre brasileiro em uma escola equivalente à escola do filho do mais rico. É isso o que esses países que estão em primeiro lugar fizeram. Foi isso o que fez Cingapura, foi isso o que fez a Coreia, o que fez Hong Kong. Foi isto: escola igual e de qualidade para todos. Até porque, aí, se a escola é igual para todos, os bons vão disputar entre bons, e ficam melhores ainda.
Ainda é tempo de a gente tomar vergonha na cara no que se refere ao quadro da educação brasileira. Ainda é tempo de nós decidirmos levar adiante as tarefas que o futuro espera da gente.
E quero concluir fazendo uma sugestão, Senador Paim, que já fiz algum tempo atrás e não foi adiante. Está na hora de a gente fazer uma CPI do pior de todos os mensalões que o Brasil tem: a educação sem qualidade. O mensalão é uma vergonha deste tamanhinho quando a gente vê o buraco de uma educação desfeita. Está na hora de a gente fazer uma CPI sobre por que a educação é desse jeito. Não uma CPI contra o Governo Dilma, nem contra Fernando Henrique ou contra Lula, mas contra todos os governos – e não só contra os governos –, contra todos os Parlamentares, contra todos nós que temos cargos de liderança neste País e que não damos conta do nosso recado, provavelmente por falta de interesse, por falta de sensibilidade, porque não pode ser por falta de competência, em um país que é capaz de fazer a sexta economia do mundo.
Eu vou tentar votar esta ideia, Senador Paim, e gostaria de ter o seu apoio, de fazermos – não sei se o nome CPI é o ideal – um inquérito. Por que somos o 39º entre 40? Vamos trazer as pessoas para dizer o que acham. Vamos trazer aqueles que têm propostas. Vamos contestar as propostas que podem não ser boas como a minha, da federalização da educação, mas vamos fazer um movimento pela educação.
Eu acho que a gente está precisando de um Joaquim Barbosa para a educação, para condenar cada um de nós, culpados pela deseducação, a 10, 20, 30 anos de cadeia, porque quem não dá educação às crianças é corrupto, não corrupto no comportamento, mas corrupto nas prioridades; não corrupto por enriquecer, mas corrupto por empobrecer o Brasil, corrupto por sacrificar gerações e gerações.
Está na hora de a gente fazer aquilo que os de antes de nós não fizeram: ver por que este País tem estado condenado à miséria da deseducação. Porque eu não acredito que isso seja uma questão do cérebro dos brasileiros. Nós somos tão inteligentes quanto este primeiro aqui, como a Finlândia. Não nascemos nem um pouquinho com menos capacidade cerebral do que os finlandeses. É uma questão da política, é uma questão dos políticos, que não pegam os cérebros e põem dentro de escolas boas. Todos nascem com o cérebro em condições de se desenvolver plenamente. Só que exige escola. Porque os bichos nascem uma vez; os seres humanos nascem duas: quando saem da barriga da mãe e quando entram numa escola de qualidade. Nós estamos negando o segundo nascimento das crianças brasileiras.
Eu vou propor, mais uma vez, a ideia de uma CPI sobre a educação no Brasil. E gostaria de ver o apoio, Senador Paim, dos nossos colegas Senadores e de vocês que estão me escutando, porque tudo isso tem que vir de fora.
Concluo dizendo que a nossa vergonha aqui, dentro desta Casa, deve ser muito grande, mas seria bom que cada brasileiro tivesse um pouquinho dela também, até porque vocês nos elegem. E o problema não é só nosso, dos que estão aqui dentro. É sobretudo nosso, mas é de todos os brasileiros. É do pai que não vai à escola do filho.
É do professor que não dá aula com a desculpa do baixo salário. É culpa das greves sucessivas, que estão desmoralizando a escola pública brasileira, porque aula não se repõe como tijolo. Depois de uma greve, você volta e põe o tijolo no lugar que estava esperando. Mas, depois de uma greve, você não põe o conhecimento da mesma forma na cabeça da criança. É culpa de tanta gente, mas, sobretudo, nossa.
Que fique aqui este recado: que nós despertemos, que tenhamos vergonha e usemos a nossa obrigação, nossa responsabilidade e nossa competência para encontrar um caminho para que este País, além de trem-bala, além de Copa, além de Olimpíadas, além de Belo Monte, além de uma rede ferroviária, como se quer fazer, além de tudo isso que a gente já faz, coloquemos as crianças na escola, porque esse é o primeiro passo do futuro.
Estarmos em 39º lugar entre 40 significa que nós estamos em 30º lugar no futuro, porque o futuro de um país tem a mesma cara da escola no seu presente. Quer ver o futuro de um país? Olhe para a escola desse país. Se a escola é bonita, o professor está contente, ele é preparado, o futuro vai ser bonito, vai ser competente. Se a escola é feia, caindo, sem equipamentos, professor mal remunerado, sem dedicação, o futuro vai ser esse mesmo.
O futuro de um país tem a cara de sua escola no presente. Se nós queremos cumprir a nossa obrigação de construir um bom futuro para o Brasil, é preciso fazer uma boa escola no presente. E se nós queremos essa boa escola, não deixemos passar em branco uma matéria como essa, hoje, no Jornal Hoje, da TV Globo, que nos coloca em 39º, entre 40 países, no que se refere à educação.
É isso, Presidente Paim, o que eu tinha para colocar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT – RS) – Mais uma vez, meus cumprimentos ao Senador Cristovam Buarque pela sua brilhante fala. Se V. Exª permitir, claro que eu apoio a sua iniciativa. Há uma frase muito conhecida que diz: “Pobre daquele país, que não cuida de suas crianças e dos seus idosos”. Outra frase diz: “País que não cuida das crianças não tem futuro”. Eu diria: quem não cuida das crianças e também dos idosos não tem futuro. Porque as crianças de hoje também são cuidadas pelos idosos. Falo isso porque, na mesma linha do discurso de V. Exª – claro, que eu endosso –, nós teríamos também que fazer um grande estudo da situação dos idosos deste País. A violência contra o idoso, a falta de uma política de valorização dos benefícios, esse famigerado fator previdenciário, que é um assalto, é um ato criminoso, eu considero, porque ele só pega os mais pobres. Os altos salários não pegam o fator. Só quem pega fator é aquela faixa que fica entre 1 e 5 salários, porque 10 é piada, ninguém ganha 10 salários neste País. É essa a faixa. E essa faixa é do regime geral da Previdência, que tem um superávit em média anual de 13 a 15 bilhões. Por isso que merece o estudo. Meus cumprimentos a V. Exª.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (DF) – Quero concluir solidarizando-me totalmente com sua luta aqui secular, eu diria, pelos idosos. E eu faço parte disso.
Eu só quero fazer uma distinção. A nossa obrigação, que é fundamental com os idosos, como, aliás, já posso dizer que sou, é uma questão de gratidão pelo passado. Agora, o cuidado com a criança é uma questão de esperança com o futuro. Essa é a diferença, ainda que, na obrigação, tenhamos que tratar bem nossos idosos como nossas crianças