Gilmar Piolla - Algumas observações a propósito da série de reportagens sobre o contrabando na fronteira do Brasil com o Paraguai, que mais uma vez mostram Foz do Iguaçu como uma região dominada por contrabandistas e traficantes, sem sequer o contraponto de mostrar aspectos positivos de uma cidade que luta, há muitos anos, para se livrar da imagem de terra sem lei.
1. Em primeiro lugar, é válido recordar que a Rede Globo pecou por grave omissão, ao sequer noticiar, em rede nacional, a realização dos X Games em Foz do Iguaçu, evento transmitido para 184 países, que foi exemplo de organização e rendeu imagens fantásticas. Por motivos empresariais, exclusivamente, não informou ao Brasil que Foz do Iguaçu foi a única cidade latino-americana a sediar os jogos radicais e que aqui se concentraram os maiores talentos do mundo em esportes de ação. Esportes, aliás, em que os brasileiros só são superados pelos americanos, inventores da maioria das modalidades e criadores dos X Games. O assunto foi ignorado em rede estadual e nacional e só teve uma pífia cobertura local.
2. Esta mesma cidade, ignorada quando realiza um grande evento internacional de sucesso, é impiedosamente massacrada pelas “câmeras do JH e do JN” quando a intenção é mostrar um dos problemas existentes em qualquer fronteira do Brasil, que é o contrabando. Aqui, tratado com requintes cinematográficos, com cenas de perseguições, imagens de prisões, de sobrevoos de helicópteros com lentes especiais e tudo aquilo a que se pode recorrer para criar o espetáculo da mídia.
3. O espectador, estupefato, vê em um espaço de pouco mais de cinco minutos um turbilhão de imagens de carros com mercadorias contrabandeadas, polícias fazendo o cerco, perseguições, gritaria, correria, como se esta fosse a rotina diária. Não fica claro, para o espectador, que às imagens colhidas pela reportagem da própria Globo, somam-se dezenas de outras que a Polícia Rodoviária Federal e a Receita Federal cederam. O espectador é iludido, como se aqui na fronteira o faroeste fosse uma rotina de cada minuto.
4. Ao mesmo tempo que presta um serviço à Receita Federal e à Polícia, ao mostrar ações relevantes de combate ao crime organizado, a Rede Globo deixou de lado todo um contexto, sequer se aprofundando numa questão óbvia: se a mercadoria sai do Paraguai em direção a grandes centros brasileiros, é porque há uma rede criminosa agindo na receptação, tão grande e tão danosa quanto aquela criada em regiões de fronteira para sustentar este comércio ilegal.
5. Os números são usados na reportagem como se falassem por si, sem sequer uma autoridade a lhes dar credibilidade. Foz do Iguaçu, “principal porta de entrada do contrabando”, movimenta por ano R$ 16 bilhões “só nessa região de fronteira”, número que não sofre qualquer alteração há muitos anos. Mera estimativa, baseia-se em quê? O número sustenta o espetáculo das imagens, é tão espetacular quanto.
6. Cabe ainda observar – o que não foi feito na reportagem – que, ao contrário de outras regiões de fronteira, aqui há uma fiscalização intensa, um policiamento ostensivo e um cuidado sem igual, por parte dos órgãos federais que coíbem o contrabando, o descaminho e o tráfico em geral. Se o número de prisões e de apreensões é maior do que em outros lugares, não é que o problema seja maior nesta região de fronteira, mas porque há maior repressão.
7. Com essas observações, não queremos censurar qualquer tipo de reportagem e muito menos fazer de conta que o problema não existe. Mas a seriedade do tema exige bem mais que mostrar perseguições, que passar a imagem de super-tiras na luta contra super-bandidos. É até um desserviço "glamourizar" e "hollywoodizar" a rotina do trabalho dos fiscais que evitam a entrada ilegal de mercadorias no Brasil, facilitada por uma política fiscal diferente daquela adotada no país vizinho e pela corrupção nas mais variadas esferas.
8. Mais uma vez, foi prejudicada a imagem de Foz do Iguaçu, berço de um patrimônio natural da humanidade e de uma das sete maravilhas mundiais da natureza, cidade que abriga, ainda, a usina responsável por abastecer 17% de todo o consumo de eletricidade do Brasil, atendendo principalmente o Sudeste do País. Sem sequer o contraponto de mostrar o que acontece de positivo, a exemplo dos X Games, indesculpável sob qualquer ponto de vista – principalmente o jornalístico, o da informação