O Brasil tem recebido
nos últimos anos um contingente crescente de migrantes, invertendo uma
tendência predominante na década de 90, quando milhares de brasileiros deixaram
o país. A comunidade de haitianos que se formou em Cascavel é um exemplo disso.
Segundo a Polícia Federal, são aproximadamente dois mil haitianos no município,
número que vem crescendo desde 2010.
Para analisar o
fenômeno, alunos da UNILA dos cursos de Ciências Econômicas, Desenvolvimento
Rural e e Segurança Alimentar, Relações Internacionais e Integração, Ciência
Política e Sociologia, Antropologia e Geografia formaram um grupo de estudos.
Colaboram regularmente com o grupo os professores da UNILA, José Renato Vieira
Martins, Danielle Araújo e James Zomighani, além da professora da USP, Maria
Adélia Aparecida de Souza. Os resultados parciais deste trabalho serão
apresentados no Espaço das Letras da Feira Internacional do Livro de Foz do
Iguaçu, neste sábado (13), às 20h.
“Penso que o que está acontecendo não é passageiro. Trata-se, em
realidade, de uma tendência de longa duração, e não há sinais de que vá
diminuir nos próximos anos. Ao contrário, na medida em que o país se
desenvolve, gera empregos e se torna mais inclusivo, a imigração aumenta. O
problema é que nem o Estado, nem a sociedade, parecem preparados para
recebê-los”, afirma Martins.
O Ministério da Justiça
estima em torno de 30 mil o número de haitianos vivendo no País. Até o final do
ano podem chegar a 100 mil. Eles vieram a partir de 2010, depois do terremoto
que vitimou milhares de pessoas e devastou economicamente o país. Na região Sul
do Brasil, uma das portas de entrada para os imigrantes, principalmente
haitianos, é Foz do Iguaçu na fronteira com a Argentina. De Foz, eles seguem
para Cascavel onde são empregados na indústria da alimentação, na construção
civil e serviços de baixa qualificação.
A pesquisa já
identificou alguns problemas que afetam os haitianos de Cascavel com mais
frequência. Além do baixo salário e das condições de trabalho, eles também
sofrem com o preconceito racial, presente nos locais de trabalho e no dia a dia
da cidade. Alguns entrevistados relataram que, mesmo tendo concluído o ensino
médio ou superior, eles não conseguem emprego senão em ocupações de baixa
qualificação.
A apresentação na Feira
do Livro, e outras atividades a serem realizadas, são uma tentativa de iniciar
uma mudança na visão da sociedade a respeito dos imigrantes. “Eles fazem parte
da solução e não do problema. Estudos demográficos mostram que em pouco tempo a
população do Brasil vai estacionar. Em breve vamos necessitar de mais mão de obra.
Devemos evitar que futuramente o problema venha a ser tratado por meio de muros
ou expulsões arbitrárias, como é feito em outras partes”, pontuou Martins.
Convivência
Para os estudantes que
participam da pesquisa, muito mais que o resultado científico, o convício com
os haitianos de Cascavel tem deixado marcas na formação humanística de cada um.
Mesmo com o pouco tempo de convivência, essas marcas já estão bem visíveis,
como a preocupação com as condições de vida e as dificuldades que os imigrantes
estão passando.
“Através da academia, estamos colocando nossos sentimentos em algo
que nos faz crescer”, pontua Lázaro Augusto dos Reis, estudante do primeiro ano
do curso de Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar, seguido pelos colegas
de turma e curso, Jaqueline Stefanie Barbosa da Silva. Para Elaine Barreto,
também aluna de Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar, o contato com os
haitianos é provocador. “É o afloramento de uma maior sensibilidade ao ver a
dificuldade e faz com que você levante um questionamento: o que eu posso fazer
por isso?”. João Paulo Angeli, aluno de Antropologia, foi um dos primeiros a
ter contato com a temática ao auxiliar uma senhora haitiana e seu neto na
chegada ao Brasil pela fronteira com a Argentina. “Ao encontrar os haitianos me
encontrei como ser humano, como estudante universitário”, relata.
Esse misto de admiração,
curiosidade e amizade com os haitianos não atrapalha o objetivo da pesquisa.
“Mesmo a gente tendo contato com os haitianos e sabendo dessa relação de amor
que eles têm, de confiança, a gente sabe que é um projeto de pesquisa e que tem
de se afastar para analisar claramente as informações”, pondera Lázaro.
Também fazem parte do
grupo de pesquisa João Eduardo Lohse, Geraldo Pavan, Elaine Barretos e Rafael
Matos, alunos de Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar; Dinorá Beatriz
Rodríguez (Relações Internacionais e Integração), Julien Demelenne (Ciência
Política e Sociologia), Thales Ramos (Ciências Econômicas) e Maria da Conceição
(Antropologia).
Apoio
O grupo conta com o
apoio da Polícia Federal de Foz do Iguaçu; Irmã Teresinha, da Casa do Imigrante
de Foz do Iguaçu; e Fundação Friedrich Ebert, entidade alemã de cooperação
internacional, responsável pela edição da revista Nueva Sociedad, especializada
em temas latino-americanos. A Reitoria da UNILA também tem ajudado e apoiado
institucionalmente a iniciativa. Em Cascavel, os pontos focais do grupo são a
Diretora do Sindicato da Alimentação, senhora Sonia Rodrigues, e o Reverendo da
Igreja Anglicana, senhor Luiz Gabas. O grupo se reúne todos os sábados, às 15h,
na UNILA Centro. Os encontros são abertos a todos que queiram participar.