Fonte: Tribuna da Internet - Carlos Newton
Não há dúvida de que a execução do brasileiro Marco Archer possibilita amplas reflexões sobre a questão das drogas no Brasil e a criminalidade que agride, mata, violenta e humilha as pessoas de bem. Muitos comentaristas defenderam aqui na Tribuna da Internet a decisão de fuzilar o criminoso, por se tratar de apenas mais um traficante dessas drogas que têm destruído milhões e milhões de usuários.
É compreensível essa atitude, mas sem dúvida significa uma forma de exercitar uma espécie de vingança muito mais rigorosa do que a famosa Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”, presente nos Antigos Testamentos e já mencionada no Código de Hamurabi. Mas esse proceder data de 1.700 anos antes de Cristo. Quase 4 mil anos depois, não podemos continuar aceitando esse tipo de Justiça. Nem devemos retroceder para aceitar a pena de morte, que na Lei de Talião puniria exclusivamente homicídios.
INGENUIDADE
É uma ingenuidade achar que a aplicação da pena de morte termina com o tráfico. No caso da Indonésia, então, a realidade é surpreendente, porque o país cultiva uma hipocrisia inacreditável, inaceitável e intolerável. O tráfico realmente é punido com pena de morte, mas desde que não esteja sendo feito pelas próprias autoridades, especialmente as quadrilhas de policiais e guardas penitenciários. A corrupção lá é uma praga, porque se trata de um país ainda pobre, formado por quase 18 mil ilhas, com população majoritariamente islamita e uma crescente população, que não pratica planejamento familiar e já é quarta maior do mundo, com mais de 250 milhões de habitantes. Aliás, é nos países muçulmanos que as populações mais crescem, mas isso deve ser motivo de outro tipo de reflexão.
O mais incrível é que o suposto combate ao tráfico na Indonésia não vigora nas penitenciárias, onde o dinheiro compra tudo. O relato de outro brasileiro que cumpriu pena naquele país, Rogério Paez, mostra muito bem a hipocrisia reinante. Em entrevista à repórter Janaína Carvalho, do site G1, Rogério Paez contou que passou cinco anos na mesma prisão de Marco Archer, convivendo o tempo todo com ele, depois mais três anos em outro presídio.
Paez não era traficante e foi preso com um cigarro de haxixe (3,8 gramas). Para aguentar a longa prisão, tornou-se budista e parou de usar drogas. Mas testemunhou tudo o que acontecia nas duas penitenciárias em que esteve, e uma delas era considerada de segurança máxima.
DROGAS LIBERADAS NA CADEIA
Ele contou à repórter Janaína Carvalho que nas cadeias da Indonésia apenas os presos que não têm boa condição financeira passam necessidade e não se alimentam direito. “Os indonésios ganham muito mal, os guardas são muito mal remunerados, não têm como resistir ao suborno”, disse, lembrando regalias. “Se você pagar, consegue ter telefone, xampu, DVD e outras coisas consideradas de luxo dentro da cadeia. Lá a gente tem antena de TV a cabo, televisão, DVD. Os mafiosos lá têm coisas que você nem acredita, tem computador, tem tudo”, assinalou, dizendo que as drogas são liberadas e Marco Archer continuou sendo usuário.
“Marco ficava usando aquele negócio lá, a tal da metanfetamina, que é a praga das prisões, e ficava falando a noite toda, contando piada, ficava nu, pegava comida dos outros. No final, ele virou um personagem da prisão. Na hora da contagem todo mundo perguntava: ‘Cadê o Marco?’ Simples, conta um a menos. Ele tá em alguma cela.”
E AQUI NO BRASIL?
Como se vê, não adianta adotar a pena de morte para vencer o tráfico. Aqui no Brasil, é preciso haver condenações mais rigorosas para os crimes graves, sem direito a cumprir apenas um sexto da pena e descontar dias de trabalho ou estudo. Pelo contrário, todo preso deveria ser obrigado a trabalhar, com as cadeias transformadas em fábricas de móveis, oficinas mecânicas e de lanternagem, conserto e manutenção de ar condicionado e geladeiras, além de outros tipos de serviço (bombeiro, eletricista, pedreiro) que poderiam ser prestados ao próprio Estado e às escolas, aos hospitais etc., a serem executados pelos presos de menor periculosidade e bom comportamento, que teriam licença para trabalhar fora das prisões e seriam remunerados.
O mais importante, porém, seria prender também os chefes das quadrilhas, localizando-os através de evidências de enriquecimento ilícito, através do controle financeiro do Coaf e dos registros de imóveis e do IPVA de veículos de luxo. Nesse sentido, outra medida altamente necessária e justa seria passar a cobra impostos de quem possui iates, grandes veleiros, helicópteros e aviões.
Se você tem um Fiat 2003, tem de pagar IPVA, mas os milionários circulam em barcos luxuosos, helicópteros e aviões, sem pagar imposto. Pode? Claro que não. O certo é que precisamos passar este país a limpo, não há dúvida. Podemos até reduzir a maioridade penal, mas aceitar e aplaudir a pena de morte, isto não. Será um retrocesso jurídico que não levará a nada.