Pedro do Coutto
Exatamente, creio, o título sintetiza a emoção que atinge os leitores de seus textos sempre brilhantes e extraordinariamente marcantes a respeito da importância das peças e dos atores e atrizes que tornam o teatro eterno, uma vez que ele atravessa a história universal e conserva em si, e sua comunicação, a mesma magia desde os palcos da Grécia Antiga e de Roma, séculos antes de Jesus Cristo nascer e morrer.
Manteve-se assim, como a primeira manifestação de arte partindo do comportamento humano, após a mais profunda divisão do tempo, que faz agora 2 mil e 15 anos. Extremamente complexo, o teatro inclui com igual intensidade o texto literário e a forma interpretativa. O peso da qualidade distribui-se por igual nessas duas faces. Disse eu que o teatro resistiu a primeira divisão do tempo, inultrapassável com a crucificação da maior figura da humanidade, e acrescento que resistiu – e resiste – a uma segunda revolução no tempo: a invenção do cinema.
Muitos sustentaram que o teatro datado e superado a partir dos filmes, especialmente após filmes falados. A previsão não se confirmou. Foi adiada para as produções a cor. Também não aconteceu. O teatro continua vivo no mundo e no Brasil, mesmo depois da morte da grande dama, Bárbara Heliodora. Ao sair de cena, que era seu lugar na plateia e na redação de O Globo, ao descer o pano da memória, ela deixou como herança, junto com sua cultura, inteligência e sensibilidade, uma extraordinária contribuição ao teatro brasileiro. Suas críticas eram obras de arte dentro de outra arte. Descobertas. Revelações.
PRESENÇA NA PLATEIA
Através dessas descobertas e revelações, por intermédio da firmeza de suas teclas e clareza de seus textos, ela iluminava momentos de cultura eternizando desempenhos de atores e atrizes. Sua presença na plateia, para ela na verdade o seu palco, tornava-se um momento de extraordinária importância para o elenco, para a direção, para a produção acrescentando força ao compromisso que têm e mantêm com a qualidade. A intelectual Bárbara Heliodora amou o teatro como a si própria, Mas não somente isso. Ela colocava amor e ardor no que escrevia. Era, me parece, o compromisso que mantinha consigo mesma e com as testemunhas de sua existência, os leitores, fossem eles artistas, como Paulo Autran e Fernanda Montenegro, como Valmor Chagas e Cacilda Becker, como Sérgio Cardoso, cuja atuação como Hamlet, 1948, tanto a encantou. Aliás, estava ela, Heliodora no elenco.
A interpretação de Sérgio Cardoso, me lembro, foi muito diversa da que deu ao eterno personagem de Shakespeare o extraordinário Lawrence Olivier, no filme famoso exibido no Rio um ou dois anos depois. Claro que, antes do cinema, Olivier já tinha vivido Hamlet nos palcos de Londres e da Europa. Mas esta é outra questão.
A IMPORTÂNCIA DO ATOR
Falei em teatro, falei em cinema. No teatro, o ator passa mais que o diretor, como Paulo Autran disse certa vez numa entrevista à televisão.
Sim. Inclusive porque uma peça em cartaz por três meses exige que os personagens a interpretem de forma consecutiva, quase que diária. Esforço gigantesco, cada sessão uma nova experiência, um novo esforço. No cinema, não. As filmagens são aprimoradas e melhoradas antes de o trabalho ser concluído. No teatro, a cada abertura da cortina, um desafio novo a ser interpretado e vencido.
Bárbara Heliodora foi a grande intérprete a traduzir, para nós, leitores, a magia extraordinária do teatro. Nesse momento em que a cultura sofre uma perda enorme, ela, Heliodora, e o teatro se encontram na eternidade. Ela participou da história da arte como poucos que nesta vida tiveram o privilégio de escrever sobre o que amam.