26.11.15
Fonte: Tribuna da Imprensa - IGOR MENDES -
Deixo de lado, por ora, a nossa política cotidiana, por vezes mais absurda do que qualquer ficção, para tratar da conclusão da quadrilogia “Jogos Vorazes”, recentemente chegada às telas do cinema. O filme, baseado em livro homônimo, teve inegavelmente bons momentos, parecendo lançar doses razoáveis de senso crítico num público amplo e carente de maiores reflexões.
Sua conclusão, entretanto, é mais do que frustrante, como normalmente acontece nesses casos, aliás. É a própria negação –negação radical, quase desenhada, forçada –de tudo o que se disse anteriormente.
Katniss Everdeen, a sobrevivente dos “Jogos” e do “Massacre Quaternário”, porta-voz e símbolo da Revolução contra a Capital (expressão máxima da tirania) termina seus dias mais alienada do que nos tempos em que caçava com seu amigo pelos campos, indiferente às causas da vida miserável que levava. A revolucionária encontra a felicidade nos braços do “ser amado”, Peeta, um dos personagens mais artificiais da série, e dos filhos.
A combativa estória tem, assim, um final propaganda de margarina, e dos mais clichês. Um final que sucumbe, como bem disse um crítico, à “tirania da felicidade hollywoodiana”.
Mas o pior não é isso. Após narrar a Rebelião dos distritos –cada um representando uma classe social, indo dos mais abastados até os oprimidos e explorados pela Capital –e colocar mulheres em posições-chave da resistência, discutindo como regimes brutais valem-se da “propaganda” para anestesiar as massas, temas portanto de grande atualidade, o filme conclui com a clara mensagem de que nada valeu a pena. A rebelião, o sangue derramado, a luta contra a tirania, tudo sequestrado por “lideranças” que queriam apenas colocar-se no lugar das outras. De fato, a mensagem de Jogos Vorazes é a invencibilidade da Tirania, a impossibilidade de se derrotar os regimes de opressão, pois que ancorados sobre a própria “natureza humana”. O que nos resta é aceitar essa “natureza”, portanto, e cuidarmos cada um de si...
Lideranças revolucionárias podem trair, sem dúvida, mas no filme isso é apresentado de forma grotesca, escrachadamente maniqueísta. Em questão de minutos a firme Alma Coin, coração da resistência do Distrito 13, o bastião da insurgência, converte-se num novo Snow, chegando a propor a reedição dos Jogos Vorazes, símbolo máximo do regime finalmente derrubado (!). Ainda que Coin fosse uma fria manipuladora, e talvez ainda mais por isso, não cometeria um erro tão crasso, praticamente no dia seguinte da conquista do Poder. Essa construção, realmente, subestima a inteligência do telespectador.
O diálogo entre Katniss e o Presidente Snow, já prisioneiro, também é bizarro. O tirano odiado é encarado por uma Katniss fria, que não parece estar diante do inimigo de toda a vida, que em algumas palavras desvenda –por amor à verdade? –a trama ardilosamente construída por Coin. Sua morte, nas mãos da população, é das raras coisas boas nesse filme.
No fim, a conclusão necessária: a “indústria cinematográfica”, desde sempre uma arma de guerra do imperialismo, não gastaria milhões de dólares para produzir e promover um filme que exaltasse valores como solidariedade, resistência, indignação. Nem que fosse no futuro pós-apocalíptico, num país remoto chamado Panem...