Por Délia Takua Martines, Denize Refatti e Rhuan Tardo
É certo que numa cidade tão religiosa quanto se pretende ser São Miguel do Iguaçu, seus moradores já devem ter ouvido a frase bíblica “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”, que mesmo sendo tão curtinha está cheia de significados. Isto pode ser observado nas inúmeras doações que estão sendo realizadas por alguns comércios, professores do Colégio Teko Ñemoingo e pessoas em geral, ajudando muito a comunidade indígena Ava-guarani do Ocoy nesse momento de pandemia.
Mas é certo também, que algumas pessoas não conseguiram entender muito bem o que esta frase significa ou acham que a palavra “outros” da frase se refere apenas as outras pessoas que sejam da mesma cor, da mesma religião, da mesma sexualidade e se esquecem de amar e respeitar também aqueles “outros” que são os indígenas, os negros, os ciganos, os homossexuais, ou para resumir, aqueles “outros” que fazem parte de outras culturas ou grupos.
E porque estamos falando sobre isso agora? Porque neste momento de pandemia, no qual o mundo todo está tentado sobreviver a um vírus que não escolhe cor, classe social ou etnia, os moradores da comunidade indígena estão precisando lidar com um problema ainda maior, o preconceito dos moradores de São Miguel do Iguaçu, que sempre esteve presente, mas está ainda mais latente neste momento.
Desde que foram divulgados os números de pessoas contagiadas pelo COVID-19, os Ava-guarani que moram na aldeia Ocoy estão sendo hostilizados nas ruas e nas redes sociais. A Ava-guarani Délia Takua Martines, estudante de pedagogia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE relata o que vem acontecendo nas últimas semanas:
“Algumas pessoas estão se aproveitando da situação, criticando as pessoas da aldeia com olhar preconceituoso. Nós não tivemos culpa de nada disso, estamos aqui com 170 famílias (aproximadamente 900 pessoas) e muitas dessas famílias tinham que ir para outro munícipio trabalhar no frigorifico e acabaram sendo contaminadas pelo Covid-19 e trazendo este vírus para a aldeia. Nós não tivemos muitas escolhas”, relata.
Segundo ela, já está sendo muito difícil para os próprios moradores da aldeia terem que conviver com esse problema – “e agora as pessoas da cidade já não recebem mais a gente como se fossem vizinhos de forma amigável. Quando vamos na cidade as pessoas nos olham distorcidas e temos até medo de ir quando precisamos. Não é que vamos apanhar, mas aquele olhar de raiva dói muito, dói mais que um tapa na cara. E nessa situação nós não somos diferentes de ninguém e temos direitos como todo mundo, de ir e vir, de comprar e entrar nas lojas se precisarmos sair para alguma situação. As pessoas falam que ganhamos tudo e que deveríamos ficar em casa. Como se isso fosse verdade. Se fosse verdade, não precisaríamos sair e correr riscos. Mas muitas pessoas precisam trabalhar e comprar comida, remédios, ir ao banco, muitas pessoas da aldeia trabalham em frigorífico”.
No seu ponto de vista, as pessoas deveriam pensar bem antes de criticar a aldeia – “já passamos por muita coisa e continuamos lutando. Nós precisamos de respeito e quando soubemos do primeiro caso confirmado na cidade, nós não tratamos as pessoas diferente, nós continuamos indo nas lojas, receber nosso salário e comprar o que precisávamos, nunca criticamos ninguém, nem mesmo nas redes sociais e em nenhum lugar. Nessa pandemia somos todos iguais, estamos passando pelos mesmos problemas e temos os mesmos direitos”, pontifica.
É importante que as pessoas compreendam que os Ava-guarani que testaram positivo para o Covid-19 não são mais contagiosas que os outros moradores do munícipio que também podem estar com o vírus. Portanto, merecem ser tratados e atendidas como qualquer outra pessoa.
Por fim, gostaríamos de destacar que os ataques virtuais discriminatórios feitos aos indígenas se enquadram como crimes de discriminação, sendo que os autores de tais comentários podem responder a processos judiciais.
(Texto escrito coletivamente por Délia Takua Martines, Denize Refatti e Rhuan Tardo ).