Da Assessoria - Foto ilustração: Internet - Revista Exame - Atualmente a população negra corresponde a 54% da população do Brasil e 24,5% da população do estado do Paraná é negra. Esse fato torna o Paraná o estado com a maior população negra da região Sul do país. Essa porcentagem reflete também na quantidade de mulheres, e sobretudo mulheres negras, suas vivências, lutas e conquistas ao longo da história. Ter uma data de reconhecimento, que memorize a vida de um povo é dar significado, é valorar, tornar visível historicamente a existência de uma população e humanizar suas trajetórias.
A identidade de um povo, o direito à memória está no campo da justiça, pois através do resgate memorial pode se reconhecer e compreender as ações do futuro. Trazer à visibilidade o debate sobre a memória da mulher negra no estado do Paraná implica romper com a hegemonia e desvelar o silenciamento que impera no estado mediante os esforços do Movimento Paranista para a manutenção do ideário de uma região branca europeia, como aponta Wilson Martins (1989) em Um Brasil diferente. A narrativa de mulheres negras na construção desse país, preservada na memória coletiva, revela a ancestralidade, segundo Conceição Evaristo, que se projeta no presente e prepara o futuro. Michael Pollak (1992) aponta que a memória coletiva é em parte herdada, e não se refere apenas à vida física da pessoa, a memória remete tanto aos mecanismos de acumulação vinculando-se às formas de conservação, atualização e reconhecimento de uma lembrança, quanto aos processos de compartilhamento de representações sociais.
Em 1992, um grupo de mulheres realizou o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, em Santo Domingos, na República Dominicana, com o objetivo de realizar um debate internacional sobre a situação das mulheres negras na América Latina. Foi a partir desse encontro que nasceu a Rede de mulheres Afro-Latino-americanas e Afro-Caribenhas. Com isso, o dia 25 de julho passou a ser conhecido como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha - um marco internacional da luta e da resistência da mulher negra, que a coloca no centro de sua história.
E no Brasil, a data começa a criar forma após a Lei nº 12.987/2014, que foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi uma importante liderança quilombola, que viveu durante o século XVIII. Sua história narra a saga de muitas mulheres negras que perderam seus companheiros e tornaram-se protagonistas na liderança de suas comunidades, suas famílias resistindo, juntamente com as populações indígenas a escravidão.
Compreender os aspectos sociais que envolvem a mulher negra, latino-americana e caribenha, submetida aos aspectos do racismo estrutural engendrados ao cisheteropatriarcado, classismo e outros desdobramentos coloniais possibilita entender a complexidade das desigualdades, os efeitos do sofrimento histórico reatualizados pela singularidade de cada vivência e também as potencialidades e legados, dessas mulheres. Esse processo é fundamental para pensar e repensar a forma do fazer a Psicologia, o setting e os demais espaços de atenção à saúde mental e global dessas mulheres.
E como isso se relaciona à psicologia? O primeiro princípio fundamental do Código de Ética Profissional do Psicólogo (Res. CFP 010/2005) aponta que o trabalho da Psicologia deve ser baseado “no respeito e na promoção de liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano”. Já o princípio segundo coloca como dever contribuir “para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Dessa forma, compreende-se que o fazer da Psicologia está atrelado à reflexão dos modelos construídos sócio historicamente, portanto, questionar os modos sociais vigentes, que estruturam subjetividades, leia-se aqui com ideário branco, exige atentar aos efeitos psicossociais nas subjetividades não-brancas, como a de mulheres negras. Quais seriam, então, as estratégias para tal manejo, já que o racismo ocorre o tempo todo, afetando as mulheres nos diversos segmentos e estados condicionantes?
Para além do questionamento do ideário branco, a Psicologia precisa reconhecer a existência de subjetividades diversas, negras, latino-americanas, caribenhas, e outras subjetividades não brancas. Reconhecer essas existências e suas singularidades traz à tona questões que muitas vezes não são abordadas durante a formação em cursos de psicologia, majoritariamente planejadas com bases em produções brancas e eurocêntricas. Sem esse reconhecimento, não é possível transformar os condicionantes racistas que estruturam a nossa sociedade atual e contribuem para a produção de sofrimento.
Também é importante entender que as relações de poder existentes nos contextos de vida das mulheres negras latino-americanas e caribenhas são diversas das existentes em outros contextos, atuando de forma crítica diante dos efeitos psicossociais causados por elas, conforme mais uma vez enfatiza o Código de Ética.
Entendemos que a construção de uma Psicologia racializada e decolonial é recente. Ainda utilizamos muitos referenciais e modelos teóricos europeus ou estadunidenses. Dessa forma, não avançamos do debate sobre construções subjetivas de nosso país e região enquanto colonizados. Marcar dentro da Psicologia e da sociedade civil o dia 25 de julho é reivindicar que comecemos a construir nossa própria história e nossos modelos teóricos, enquanto mulheres negras latino-americanas.
Comissão Étnico-Racial do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR)