Por Izabel Binhares Lopes , via redes sociais - ("Letícia, piolhos e contos de fadas. (não tem o nome de autor )
"Não quero mais ser o professor da Letícia: agora quero aprender. Quero que ela me ensine como uma lagarta evolui para se tornar um anjo e, acima de tudo, quero descobrir qual foi a varinha mágica que a transformou na Princesa do Conto de Fadas".
Leticia foi minha aluna numa escola em trás-os-montes em plena Serra.
Tinha 11 anos conhecendo as carências e sujidade da vida. Sempre com a mesma roupa, herdada por uma tradicional necessidade familiar. Onze anos lutando com os bichos dia e noite. Com um nariz que como vela escorria o tempo todo. Com cabelo comprido e desbotado servindo de escorrega para os piolhos. Mesmo assim, era uma das primeiras a chegar à escola.
Na hora do trabalho em equipe ninguém queria trabalhar com ela . Os colegas não lhe deram a oportunidade de demonstrar o quão inteligente ela era: repúdio foi o que Leticia conheceu.
De vez em quando contava histórias aos meus alunos e me perguntava: de que adianta ler histórias para estas crianças algumas delas nem comeram? ; serviria de alguma coisa alimentá-los com fantasias? Eu acreditava que sim, mas não sabia até onde. Constantemente contava-lhes histórias, especialmente na hora mágica das leituras, duas vezes por semana. Um dia contei "A Cinderela" e quando cheguei à parte em que a fada madrinha transformou a jovem andrajosa em uma linda moça de vestido vaporoso e chinelos de cristal, Letícia aplaudiu freneticamente o milagre realizado.
Noutra ocasião, perguntei aos meus alunos o que eles queriam ser quando crescerem? E o baú dos seus desejos se abriu para mim: alguém queria ser astronauta, embora nem a carreira chegasse á aldeia; outros queriam ser mestres, artistas ou soldados. Quando foi a vez da Leticia, levantou-se e com voz firme disse: "Eu quero ser médica! " e uma gargalhada insolente foi ouvida na sala de aula
Letícia com lágrimas nos olhos encolheu-se toda no banco invocando a fada madrinha da Cinderela que não chegou.
Meu trabalho nessa escola terminou junto com o ano letivo. A vida seguiu o seu curso. Depois de 15 anos, voltei por esses lugares para reviver memórias ....encontrei algumas respostas e outras perguntas. Algumas Boas notícias....uma delas que a carreira já passava na aldeia
Antes de chegar ao cruzeiro onde transbordam os passageiros que vão para a outra povoação, uma jovem abeirou-se de mim vestida de branco.
- Você é o mestre Victor Manuel!... Você foi meu professor! - Ela disse-me - surpreendida e sorridente. Aquele que podia encantar cobras com as histórias que contava.
Lisonjeado, respondi:
- Esse sou eu.
- Não se lembra de mim, mestre? -perguntou, e continuou dizendo com a mesma voz firme de outro tempo - eu sou Leticia... E eu sou médica...
Atropelei as Minhas memórias para reconstruir a imagem daquela garotinha que em outro tempo ninguém queria ter por perto.
Desceu no cruzeiro deixando, como a Cinderela, a pegada de seus tênis no estribo da carreira... E eu com mil perguntas. Ainda me disse: - Trabalho em Bragança... Encontre-me na clínica tal... e foi embora...
Um dia fui á clínica que ela me disse e não a encontrei. Nem a enfermeira nem o porteiro a conheciam. "As histórias são lindas, mas não deixam de ser histórias", eu lamentei que não fosse verdade.
Arrependido de ter ido, e quase derrotado, encontrei a diretora da clínica e falei com ela. O que ela me disse encheu-me de felicidade reviveu a minha fé nas pessoas e na literatura:
-A Dra. Leticia trabalhava aqui - ela contou-me. Ela é muito humana e tem muito amor pelos pacientes, principalmente pelos mais necessitados.
- Essa é a pessoa que eu procuro - quase gritei.
- Mas já não está entre nós - disse a diretora.
- Morreu? - Perguntei ansioso.
Não disse sorrindo A Dra. Leticia candidatou-se a uma bolsa de estudo e ganhou-a... agora está na Itália.
Leticia continua a aprender mais e a ensinar seus segredos para lutar e perseguir os sonhos Eu ainda quero saber até onde vai o poder das palavras; qual é o segredo para encantar as cobras ? ; como professor, o que posso fazer para equilibrar a balança da justiça social em casos semelhantes? ; quando começou a descolagem dos sonhos de Leticia? E quanto ao resto dos seus companheiros? ; onde está a força das mulheres que superam qualquer expectativa?
Não quero mais ser o professor da Letícia: agora quero aprender. Quero que ela me ensine como uma lagarta evolui para se tornar um anjo e, acima de tudo, quero descobrir qual foi a varinha mágica que a transformou na Princesa do Conto de Fadas.
"Letícia, piolhos e contos de fadas. (não tem o nome de autor )