Fonte: Tribuna da Imprensa - Vittorio Medioli - Na mocidade, a vida se apresenta como um vasto e infinito horizonte; não se enxerga nem se imagina o fim. O fim nunca haverá de chegar! Ainda tem muitas décadas à frente para se gastar.Já quando se passa dos 60, com pouca reserva pela frente, percebe-se que o passado transcorreu estupidamente depressa. A vida derreteu rapidamente como uma barra de gelo ao sol escaldante do meio-dia.
Na primeira parte da existência, o homem é movido pelo desejo da mulher, por ela faz loucuras. Na maturidade, persegue, com obstinação, o poder ou o dinheiro, que são a mesma coisa, e por eles vende a alma. Já no entardecer da vida, quando as perspectivas de sobrevivência no planeta se encurtam e se aproximam do nada, surge o desejo de glória – última fantástica ilusão – para se perpetuar ao menos na lembrança dos remanescentes. Apela-se à “sobrevivência virtual” num mundo que continuará a escaldar outros indivíduos.
Na glória de seus feitos, sobrevivem Moisés, Alexandre, Júlio César, Augusto, Napoleão, Einstein. Porém, enquanto o sexo é para todos, e o poder/dinheiro, para alguns, a glória é atingida por poucos. Glória que esplende nas pirâmides do faraó, no esplendor dos templos de Michelangelo, nos sorrisos pintados por Leonardo, na inocente beleza dos anjos de Rafael, nos versos apaixonados de Dante, nas harmonias de Beethoven.
SEXO, PODER E GLÓRIA
Para Artur Schopenhauer, “A glória é o sol que ilumina os mortos… é o poente de uma vida que se converte na aurora da imortalidade”. Mais estupenda é a percepção de Shakespeare quando olha o “abismo” que segue ao término: “Senhores, bom dia, apagai as tochas (do mundo)…”. A glória surge assim em seu esplendor.
Pois é isso que a vida reserva. Sexo na juventude, poder na maturidade e glória na velhice. Três são as idades. Três, as motivações. Três, os pecados principais: luxúria, que evolui para amor, avidez, que se transforma em generosidade, orgulho, que evolui para desapego.
Os raros fulgurados pela compreensão desaparecem na autossuficiência de seu enlevo, não podem explicar o “estado de ser” que conquistaram individualmente, como a vida é dada ao sair do ventre da mãe.
A dor acelera a evolução, é banhada de sangue, passa pela cruz e conduz a Deus. Os budistas acreditam que, apagando-se os desejos, entregando-se ao que há de divino dentro do homem, chega-se ao nirvana, morada imaterial dos deuses.
Já o Eclesiastes afirma que “O dia da morte é melhor do que o dia do nascimento”, por considerar que o fim do corpo esgota o ciclo dos desejos, razão direta do sofrimento. Iniciar-se-ia, assim, um descanso sem sexo, que é transitório, sem poder, que é desgastante, e sem glória, que só a Deus pertence.
(transcrito do jornal O Tempo)